sábado, agosto 26, 2006

MÉTODO CIENTÍFICO E LOGANÁLISE: SUMÁRIO

Primeiro Módulo

Plano do módulo

1. Objetivos
1.1. Testabilidade intersubjetiva
1.2. Clareza de discurso
1.3. Clareza de pensamento
1.4. Clareza de objetivos: desenvolver tecnologia que promova, profilaxia e terapeuticamente, a saúde mental.
1.5. Técnica e de tecnologia
1.5.1. Definições
1.5.2. Ilustração
1.5.3. Vantagens e desvantagens comparativas
1.5.4. Os procedimentos psicanalíticos de promoção da saúde mental:
1.5.4.1. A deficiente evolução
1.5.4.2. O tipo de transmissão
2. O conceito de método:
2.1. Método e técnica
2.2. Método científicos e não científicos: o princípio de não-contradição
3. A validação teórica:
3.1. Metateoria
3.2. A transmissão de significado
3.2.1. Conotação e denotação
3.2.2. A gênese psicológica de um conceito
3.2.2.1. As etapas: descrição
3.2.2.1.1. Proto-conotação
3.2.2.1.2. Proto-denotação
3.2.2.1.3. Conotação
3.2.2.1.4. Denotação
3.2.2.2. As etapas: ilustração
3.2.2.2.1. Proto-conotação
3.2.2.2.2. Proto-denotação
3.2.2.2.3. Conotação
3.2.2.2.4. Denotação
3.2.3. Definiendum e definiens
3.2.4. Critérios de validação de conceitos
3.2.4.1. Descrição dos critérios
3.2.4.1.1. Conformidade com o uso
3.2.4.1.2. Adequação ao fim
3.2.4.2. Operação com os critérios
3.2.5. Definir e conceituar:
3.2.5.1. Ciências:
3.2.5.1.1. Formais: estipular e fiscalizar coerência lógica;
3.2.5.1.2. Factuais: hipotetizar, fiscalizar coerência lógica e verificar coerência empírica;
3.2.5.2. Proposições analíticas e proposições sintéticas
3.2.5.2.1. Conceituação
3.2.5.2.2. Ilustração: e = mc²
3.2.5.3. A condição salva veritate
3.2.5.3.1. Enunciação
3.2.5.3.2. Ilustração
3.2.5.4. Transmissão de significado como condição para a existência de definição:
3.2.5.4.1. Não é necessária
3.2.5.4.2. Não é suficiente
3.2.5.5. “Definições” operacionais e ostensivas:
3.2.5.5.1. Conceituação
3.2.5.5.2. Crítica
3.2.5.5.3. Redenominação
3.2.5.6. Um alerta: a aproximação gradual e tentativa
3.2.5.6.1. A consciência do status conceitual
3.2.5.6.2. A definição conceitual como ponto-de-fuga

Definienda abordados[1]: ciência factual – ciência formal – condição salva veritate – conotação – definição – "definição operacional" – "definição ostensiva" (ad modum ponens) – definiendum – definiens – denotação – metateoria – método – método científico – princípio de não-contradição – proposição analítica – proposição sintética – técnica – tecnologia – transmissão operacional de significado – transmissão ostensiva (ad modum ponens) de significado.

Síntese do módulo: Descrevemos o objetivo da cadeira e relacionamo-lo com o objetivo maior de que, no que diz respeito à validação de hipóteses e teorias, evitemos tanto o autoritarismo, quanto o caos; definimos o objetivo de nossa produção teórica; definimos os conceitos de técnica, tecnologia, mostrando em que essa é superior àquela; definimos método e método científico, mostrando o compromisso deste último com o princípio de não-contradição; definimos metateoria, conotação e denotação; propusemos uma hipótese sobre como se faz a gênese psicológica de um conceito; distinguimos definiendum de definiens e oferecemos critérios para avaliar a qualidade de um conceito; distinguimos definir de conceituar, sendo assistidos, para isso, pelo esclarecimento do que são proposições analíticas, proposições sintéticas, ciências factuais, ciências formais e condição salva veritate, apontado, a partir daí, a inadequação de expressões como definição operacional e definição ostensiva (ad modum ponens), e, sugerindo, com Rudner, a substituição dessas expressões, respectivamente, pelas de transmissão operacional de significado e transmissão ostensiva (ad modum ponens) de significado ; terminamos indicando como, por ser gradual e tentativo o processo através de que uma teoria alcança a padronização do uso dos termos que a constituem, cumpre manter sempre em vista o status conceitual de seus mais relevantes termos.

Segundo Módulo

Plano do módulo

1. O lingüístico e o extra-lingüístico:
1.1. Glossário:
1.1.1. Entidade extra-lingüística
1.1.2. Entidade lingüística
1.1.3. Referência
1.1.4. Referente
1.1.5. Referido
1.2. Ciências factuais e as condições de passagem do lingüístico para o extra-lingüístico
1.2.1. Condição para a gestação de tecnologia
1.2.2. Qual a porção do extra-lingüístico a que ser refere o discurso das ciências factuais?
2. As entidades extras-lingüísticas:
2.1. Os entes de realidade e entes de razão
2.1.1. Glossário
2.1.1.1. Entes de razão
2.1.1.2. Entes de realidade
2.2. Entes de razão: as idealizações
2.2.1. Glossário: idealização
2.2.2. Utilidade heurística (Rudner, Chisholm, Ebraico)
2.2.3. Tipos: intuitivas e teóricas (Hempel)
2.2.3.1. Características
2.2.3.1.1. Metrificação
2.2.3.1.2. Dedução matemática
2.2.3.1.3. Inclusão em corpo teórico
2.2.3.2. Glossário:
2.2.3.2.1. Idealização intuitiva
2.2.3.2.2. Idealização teórica
2.2.3.3. Exemplo: gás ideal
2.2.4. A posição da Loganálise
2.3. Os entes reais
2.3.1. O(s) númeno(s)
2.3.1.1. A ampliação da literatura consultada
2.3.1.2. Von Uexküll
2.3.1.3. O(s) númeno(s) como uma exigência de coerência intelectual
2.3.1.4. O(s) númeno(s) como incapaz(es) de assistir na inferência de transformações específicas em segmentos específicos do extra-lingüístico
2.3.2. Entidades inferidas e entidades observacionais
2.3.2.1. Confusão e opção terminológica
2.3.2.2. Entidades observacionais:
2.3.2.2.1. Definição de Russell
2.3.2.2.2. Exemplo: distúrbio de motilidade
2.3.2.3. Conversão:
2.3.2.3.1. Linguagem frouxa: distúrbio de motilidade distinguido equacionado a conversão
2.3.2.3.2. Linguagem precisa: distúrbio de motilidade entendido como um componente observável do processo chamado conversão, que inclui inobserváveis
2.3.2.3.3. Regra de correspondência
2.3.2.3.3.1. Definição
2.3.2.3.3.2. Exemplo
2.3.2.4. Glossário:
2.3.2.4.1. entidade inferida
2.3.2.4.2. entidade observacional
2.3.2.4.3. númeno
2.3.2.4.4. regra de correspondência
2.3.2.5. A postura positivista e a pretensão de expulsar a entidade inferida do âmbito das ciências factuais
2.3.2.5.1. A confusão entre númenos e entidade inferidas
2.3.2.5.2. Russell, o behaviorismo, o cego e o surdo
2.3.2.5.3. O potencial preditivo das entidades inferidas:
2.3.2.5.3.1. Benjamin: o elemento inferencial é exatamente o que permite a inferência
2.3.2.5.3.2. Exemplo:
2.3.2.5.3.2.1. Distúrbio motor Þ conversão Þ recalque Þ insuficiente investimento energético na representação de palavra e excessivo investimento energético na correspondente representação de coisa Þ bloqueios da verbalização, indicadores de fratura, de fixação, de transferência, de meta-transferência, de disforias, de deficits de racionalidade e de arbítrio, etc.
2.3.2.5.4. A estabilidade relativa do status de entidade inferida e a recomendação de Beck
2.3.2.5.4.1. Lesão de quiasma ótico
2.3.2.5.4.2. Íon
2.3.2.5.4.3. Lua
3. Os níveis de atividade cognitiva
3.1. Nível Lingüístico: símbolos
3.2. Nível Extra-lingüístico
3.2.1. Nível científico-factual
3.2.1.1. Entes reais
3.2.1.1.1. Entidades observacionais
3.2.1.1.2. Entidades inferidas
3.2.1.2. Entes de razão: idealizações
3.2.2. Nível Ontológico
3.2.2.1. Entes reais: númeno(s)
3.2.2.2. Entes de razão: idealizações

Definienda abordados: entes de razão – entes de realidade – entidade extra-lingüística – entidade inferida – entidade lingüística – entidade observacional – idealizações – idealização intuitivas – idealizações teóricas – númeno – referência – referente – referido– regra de correspondência.

Súmula: Conceitua-se entidade lingüística e extra-lingüística, referência, referente e referido; distinguem-se os entes de realidade dos entes de razão e, entre esses últimos, caracterizam-se as idealizações, assinalando-se a função eminentemente heurística dessas últimas e sub-classificando-as em idealizações intuitivas e idealizações teóricas; aponta-se que para que saúde mental seja adequadamente definida deve sê-lo como uma idealização; define-se númeno, reconhecendo-se que, embora seja esse conceito uma referência inescapável, ele não tem lugar dentro de uma teoria científica; definem-se entidade observacional, entidade inferida, essa última mediante a introdução do conceito de regra de correspondência; ilustra-se o poder heurístico das entidades inferidas empregando os conceito de conversão, repressão, indicadores de fratura, fixação, transferência, meta-transferência etc; aponta-se a instabilidade do status inferencial de um ente real e, para terminar, é estabelecida uma classificação dos níveis de atividade cognitiva.

Terceiro Módulo

Plano do módulo

1. Revisão de Percurso:
1.1. Tecnologia depende de teoria
1.2. Adequada construção teórica depende de clareza metateórica: a metateoria mínima
1.2.1. Clareza das regras de passagem do lingüístico para o extra-lingüístico
1.2.1.1. Natureza dos instrumentos
1.2.1.1.1. Definitórios
1.2.1.1.2. De transmissão de significado
1.2.1.2. Natureza dos referidos
1.2.1.2.1. Entes reais
1.2.1.2.1.1. Entidades observacionais
1.2.1.2.1.2. Entidades inferidas
1.2.1.2.2. Entes de razão: idealizações
1.2.2. Coerência:
1.2.2.1. Lógica
1.2.2.2. Empírica
2. A teoria mínima
2.1. Processos de comunicação que promovem saúde
2.2. Processos de comunicação que promovem doença
3. Teoria - inferência - construção da tecnologia
4. Inferência - determinismo - perda de arbítrio?
4.1. Inferência, explicação e lei
4.1.1. O formato lógico de uma explicação
4.1.1.1. Explicação de fenômenos
4.1.1.2. Explicação de leis
4.1.2. Ciência como uma integração de leis teóricas e empíricas
4.1.3. Glossário parcial:
4.1.3.1. Axioma
4.1.3.2. Explanandum
4.1.3.3. Explanans
4.1.3.4. Explicação
4.1.3.5. Hipótese
4.1.3.6. Lei
4.1.3.7. Lei empírica
4.1.3.8. Lei experimental
4.1.3.9. Lei teórica
4.1.3.10. Postulado
4.1.3.11. Teoria
4.1.4. Níveis de explicação
4.1.4.1. Leis teóricas Û leis empíricas Û descrição de fenômenos intersubjetivamente observáveis
4.1.5. Identidade da estrutura lógica inferência-explicação
4.1.6. Proposições projetivas (ou prospectivas)
4.1.6.1. Preditivas
4.1.6.2. Retroditivas
4.1.6.3. Simultâneas
4.1.7. Glossário parcial:
4.1.7.1. Inferência
4.1.7.2. Argumento projetivo
4.1.7.3. Argumento projetivo-retroditivo
4.1.7.4. Argumento projetivo-preditivo
4.1.7.5. Argumento projetivo-simultâneo
4.2. Conclusão: se a Loganálise, por objetivar construir uma tecnologia, precisa de uma teoria que permita inferir, ela tem, necessariamente, que ser explicativa.
4.3. O Grupo do Verstehen: a insistência de que as ciências humanas não podem ser explicativas.
4.3.1. Não há descrição do método
4.3.2. A classificação de Dilthey
4.3.2.1. Naturwissenschaften: explicação
4.3.2.2. Geisteswissenschaften: compreensão
4.3.3. Nossas teses
4.3.3.1. O Verstehen não passa de uma técnica particular de obtenção de dados via suposto da empatia
4.3.3.2. A conseqüência de se colocar uma técnica na posição de um método é a perda de um critério intersubjetivo de validação de proposições
4.3.4. Rudner: ignorância substantiva e ignorância metodológica
4.3.5. A explicação compreensiva:
4.3.5.1. Ducasse: definição de teleologia
4.3.5.2. LC:
4.3.5.2.1. Explicação compreensiva: tipo I
4.3.5.2.2. Explicação compreensiva: tipo II
4.3.5.3. O suposto da empatia: uma regra de correspondência subtraída à fiscalização
4.4. As ciências humanas como um subconjunto das ciências naturais
4.5. O problema do determinismo
4.5.1. Determinismo e explicação: Loganálise necessariamente determinista
4.5.1.1. Determinismo: Extensão e fundamento
4.5.1.1.1. Tipos
4.5.1.1.1.1. Absoluto
4.5.1.1.1.2. Relativo
4.5.1.1.2. Tipos de determinismo e inferência
4.5.1.1.3. O pressuposto determinista: fundamentos
4.5.1.1.3.1. Lógico:
4.5.1.1.3.1.1. Indutiva
4.5.1.1.3.1.2. Dedutiva
4.5.1.1.3.2. Psicológico: grau de sucesso e grau de certeza.
4.5.1.2. Determinismo e causalidade
4.5.1.2.1. Definição de relação causal
4.5.1.2.2. Distinção entre determinação e causalidade
4.5.1.3. Determinismo e teleologia: compatibilidade
5. A navalha de Occam
5.1. Abbagnano: definição
5.2. A superioridade da Psa
6. As características metateóricas da Loganálise
7. Loganálise: uma ciência determinista a serviço da liberdade de arbítrio.

Definienda abordados: argumento projetivo-preditivo - argumento projetivo-retroditivo - argumento projetivo-simultâneo -axioma - dedução - explanandum - explanans - determinismo - determinismo relativo - determinismo absoluto - explicação - explicação compreensiva (tipo I e tipo II) - Geisteswissenschaften - hipótese - ignorância substantiva - ignorância metodológica - indução - inferência - lei - lei empírica - lei experimental - lei teórica - Naturwissenschaften - Navalha de Occam - postulado - pressuposto da empatia - relação causal - teleologia (Ducasse) - teoria - Verstehen -

Síntese do módulo: Indica-se que, para a construção de uma tecnologia psicoterápica de promoção da saúde mental, cumpre construir-se uma teoria capaz de, pelo menos, dois tipos de afirmação, quais sejam, “processos de comunicação de tipo X promovem saúde mental no ser humano” e “processos de comunicação de tipo Y promovem doença mental no ser humano”; argumenta-se que a posse de tais tipos de proposição implica existência de determinismo; definem-se explicação, explanandum, explanans, axioma, postulado, hipótese, lei, lei empírica, lei experimental, lei teórica; expõem-se as relações entre explicação e previsão; definem-se argumento projetivo-preditivo, projetivo-retroditivo e projetivo-simultâneo; discute-se a natureza e validade metodológica do Verstehen; traz-se à balila a afirmação de Rudner de que a ignorância substantiva é menos grave do que a metodológica; define-se teleologia, acompanhando a definição de Ducasse, e propõe-se o conceito de “explicação compreensiva”, distinguindo dois sub-tipos dentre elas; reve-se e critica-se a classificação das ciências feita por Durkheim; define-se determinismo e indica-se a diferença entre determinismo absoluto e determinismo estatístico; discutem-se os fundamentos do pressuposto determinista; define-se causa; afirma-se não haver incompatibilidade entre determinismo e liberdade de arbítrio; apresenta-se o Princípio de Economia (Navalha de Occam); indicam-se os três critérios básicos para avaliação da qualidade de uma teoria e a metateoria mínima do que seja a Psicanálise.

[1] Sempre em ordem alfabética.

quarta-feira, agosto 02, 2006

MÉTODO CIENTÍFICO E LOGANÁLISE: QUESTÕES SOBRE O CONTEÚDO DOS MÓDULOS

Módulo I:
Qual o propósito de tentarmos explicitar nossa Constituição Epistemológica? Qual o objetivo que propusemos para nossa produção científica? Método científico é o mesmo que metateoria? A metapsicologia freudiana é uma metateoria? Que é princípio de não-contradição? Qual a diferença entre técnica e tecnologia e qual a vantagem de uma sobre outra? Qual a diferença entre técnica definida em um sentido lato e técnica definida em um sentido estrito? E entre método e técnica? E entre método e método científico? E entre denotação e conotação? Como conotação e denotação se relacionam na gênese de um conceito? Sempre que eu defino, eu conceituo? Qual o único tipo de significante passível de denotação, mas, nunca, de conotação? Qual a diferença entre uma proposição analítica e uma proposição sintética? Qual a diferença entre uma proposição analítica conceitual e uma proposição analítica não conceitual? Dê exemplos. E entre ciência factual e ciência formal? Dê exemplos. Por que as expressões “definição operacional” e “definição ostensiva” são pouco apropriadas?

Módulo II:
Defina referência, referente, referido, entidade lingüística e entidade extra-lingüística. Qual a relevância da existência de regras claras para disciplinar a passagem do lingüístico para o extra-lingüístico para com a produção de tecnologia? Que é ente de realidade? Que é ente de razão? Qual dentre esses dois tipos de ente exerce, numa teoria, uma função eminentemente heurística? O que é isso? O que é idealização? Quais as características que distinguem uma idealização intuitiva de uma idealização teórica? Dê um exemplo de idealização entre as ciências teleológicas – usualmente chamadas de “sociais” – e as não-teleológicas – usualmente chamadas de “naturais”. Dê um exemplo de idealização utilizado pela Loganálise. Descreva sucintamente o resultado do trabalho de von Uexküll e mostre como ele nos leva a reconhecer o númeno como uma inferência inescapável. Por que o númeno não tem função dentro de uma teoria científica? Defina entidade observacional e exemplifique. Defina entidade inferida e exemplifique. Defina regra de correspondência e exemplifique. Defina númeno. Qual a impropriedade de afirmarmos que um distúrbio de motilidade “é uma conversão”? Haveria a mesma impropriedade em afirmar que ele “é um sintoma conversivo”? Qual a crítica da Loganálise relativamente a postura positivista relativamente às entidades inferidas? Dê um exemplo que revele o potencial heurístico das entidades inferidas. Por que é instável o status inferencial de um ente real? Dê exemplos. Reproduza, de memória, o quadro dos “níveis de atividade cognitiva” apresentado aqui.

Módulo III:
Qual a teoria mínima de que necessita a Loganálise para construir sua tecnologia de promoção da saúde mental? Qual o formato de uma explicação, segundo Edwards? Defina: axioma, explicação, explanandum, explanans, hipótese, lei, lei empírica, lei experimental, lei teórica, postulado, Dê um exemplo de explicação de lei? Qual, segundo Edwards, o objetivo primeiro de uma ciência que atingiu o nível teórico? Quais são os níveis que compõem o processo de explicação e inferência nesse tipo de ciência? Qual a relação entre explicação e inferência? O que é argumento projetivo-preditivo? Argumento projetivo-retroditivo? Argumento projetivo-simultâneo? O que é Verstehen, segundo os que o defendem como método das ciências humanas? O que é Verstehen segundo a Loganálise? O que, segundo Rudner, é mais grave para uma ciência, a ignorância substantiva ou a metodológica? Qual a definição de teleologia, segundo Ducasse? O que é, segundo a Loganálise, uma explicação compreensiva? Quais seus dois tipos? Qual o grande risco de entendermos o Verstehen como método e, não, como técnica? Qual a classificação das ciências proposta por Dilthey? Qual a crítica da Loganálise a essa classificação? O que é determinismo? Qual a diferença entre o determinismo absoluto e o estatístico e qual a implicação dessas diferenças no que diz respeito à predição? Qual Qual a extensão do pressuposto determinista, do ponto de vista científico? Existe possibilidade de uma fundamentação indutiva para o determinismo? Por quê? E dedutiva? Por quê? E psicológica? Por quê? Defina causa. Qual a relação entre determinismo e causalidade? E entre determinismo e teleologia? Existe incompatibilidade, segundo a Loganálise, entre determinismo e liberdade de arbítrio? Por que a Loganálise, para construir uma tecnologia, tem que ser determinista? O que é Navalha de Occam? A Psicanálise, do ponto de vista da simplicidade, é superior ou inferior às demais teorias psicológicas? Quais são os três critérios básicos de avaliação da qualidade de uma teoria científica? Resuma a metateoria mínima de que se serve a Loganálise.

MÉTODO CIENTÍFICO E LOGANÁLISE: PRIMEIRO MÓDULO

Este curso on-line pretende expor as exigências a que a construção teórica da Loganálise, uma variação teórico-técnica da Psicanálise, se pretende submeter. Entre essas exigências, maior é a de permita “testabilidade intersubjetiva”, processo mediante o qual a comunidade científica e não científica possa validar ou invalidar, segundo determinados critérios consensuados, suas proposições. Para isso, naturalmente, se faz mister que a Loganálise seja clara e inambígua no discurso que emprega para veicular sua produção.
Clareza de discurso é cria de clareza de pensamento, como bem o expressa Boileau

"O que se concebe bem
Se enuncia claramente
E as palavras para dizê-lo
Vêm facilmente."
[1]

E Pessoa:

"Quando é alto e régio o pensamento,
Súdita a frase o busca
E escravo o ritmo o segue."
[2]

Clareza de pensamento, por sua vez, nasce de clareza de propósitos. Para que a clareza de nossos propósitos sustente a clareza de nosso pensamento e esta, a clareza de nosso discurso, iniciaremos essa primeira cadeira de nosso curso de especialização enunciando qual o objetivo último a que serve todo o empreendimento loganalítico. É ele:

Produzir e continuamente aperfeiçoar uma tecnologia * capaz de usar processos de comunicação para promover, profilática e terapeuticamente, a saúde mental humana.

Essa declaração de objetivos merece qualificações. A primeira delas é a de explicitar o que entendemos por tecnologia * e como a diferenciamos de técnica *[3]. Vejamos:
TÉCNICA:
· Lato sensu: Conjunto de procedimentos voltado para a concretização de um fim;
· Stricto sensu: Conjunto de procedimentos, não deduzidos de uma teoria, voltado para a concretização de um fim;

TECNOLOGIA: Conjunto de procedimentos, deduzidos de uma teoria, voltado para a concretização de um fim, exceto o de validar proposições.

Ilustremos o quadro acima. Digamos que uma família de agricultores passe, de pai para filho, há dezenas de anos o que entende como o melhor conjunto de procedimentos para produzir abóboras. Dentre esses procedimentos, estaria, supostamente, o de evitar plantar abóboras no outono, pois a longa experiência dessa família teria comprovado que as plantadas nessa época nascem “aguadas”, leia-se, sem gosto. Ninguém sabe o “porquê” de ser assim, mas todo o agricultor daquela família sabe que assim é, passando a informação para a geração seguinte, que respeitosamente a obedece, não plantando abóboras naquela estação. Frente às definições que vimos de avançar, trata-se, no exemplo, de uma técnica, que é passada, nessa família, de geração à geração, por um mero processo de repetição.

Suponhamos, entretanto, que alguém dessa família avente a hipótese de que, no outono, por essa ou aquela razão, o solo fique com um nível mais baixo de nitrato de prata e que é essa a causa da sensaboria das abóboras plantadas naquela estação. Isso, naturalmente, sugeriria o seguinte procedimento: adubemos o solo com nitrato de prata e poderemos plantar abóboras no outono, colhendo-as com o mesmo sabor das plantadas nas demais estações. Estaríamos, aqui, segundo a terminologia proposta, nos defrontando com uma tecnologia, não, com uma técnica, já que o procedimento em pauta deriva de uma teoria * sobre o que causa o menor sabor das abóboras plantadas no outono.

A ilustração – totalmente fictícia – acima, nos permite avaliar a vantagem da tecnologia sobre a técnica: essa última tende a manter-se inalterada através do tempo, fundamentado-se na tradição, enquanto a primeira, à custa de sua fundamentação teórica, sofre contínuo aperfeiçoamento. As considerações acima, certamente, (a) terão deixado claro porque, quando enunciei o objetivo da produção loganalítica, em vez de empregar o termo técnica, empreguei o termo tecnologia e, possivelmente, (b) terão levantado a suspeita de que, até hoje, dentro da comunidade psicanalítica, a transmissão dos procedimentos que objetivam a cura tem ficado mais no nível da técnica do que no da tecnologia, explicando o pouco progresso sofrido, durante mais de um século, por aqueles procedimentos.

A existência e desenvolvimento de uma tecnologia, portanto, depende da existência de uma teoria e, sem dúvida também, da qualidade dela. Uma melhor teoria produzirá uma tecnologia mais eficaz, uma pior, uma menos eficaz. E como diferençar, no que diz respeito a teorias, o melhor do pior, o falso do verdadeiro? Bem, aqui, voltamo-nos sobre o conceito de método *. Vejamos:

MÉTODO: Conjunto de procedimentos empregado para validar proposições.

MÉTODO CIENTÍFICO: Conjunto de procedimentos que emprega o princípio da não-contradição *, associado ou não a verificações empíricas, para validar proposições.[4]

PRINCÍPIO DE NÃO-CONTRADIÇÃO: Princípio que estabelece que um ente não pode ser e não ser alguma coisa, sob o mesmo aspecto, ao mesmo tempo.

Como se vê, um método é, na verdade, uma técnica, se consideramos o sentido lato dessa última: não passa de um conjunto de procedimentos voltado para a concretização de um fim. Esse fim, todavia, é bastante específico. Por isso, stricto sensu, diferençamos, método de técnica. Qualquer teoria, para ser consensualmente validada, tem que explicitar o conjunto de procedimentos através de que pretende validar suas proposições, ou seja, seu método. Essa técnica de validação de proposições, esse método, entretanto, pode ser ou não científico. Um dos expoentes da história do catolicismo, por exemplo, explicitou da seguinte forma seu critério de validação de proposições: credo quia absurdum. Seja: creio porque é absurdo. Aqui não falta método – e cada um tem lá o que merece! – mas, certamente, tal critério de validação não poderia encontrar abrigo dentro do que tem sido chamado de método científico, já que, como posto, esse último submete-se ao princípio lógico da não-contradição e este, certamente, invalida absurdos.
Voltemos às nossas pretensões. Expusemos como nosso propósito “aperfeiçoarmos uma tecnologia capaz de usar processos de comunicação para promover a saúde mental humana”. Como toda a tecnologia depende de uma teoria, precisamos de uma teoria que nos afirme, no mínimo, algo como – “processos de comunicação de tipo X promovem saúde mental no ser humano” e “processos de comunicação de tipo Y promovem doença mental no ser humano” – para desenvolvermos e aperfeiçoarmos procedimentos que aumentem a presença dos processos de comunicação de tipo X e diminuam a dos de tipo Y. Pois bem, poderemos produzir e, certamente, colher na literatura relevante, dezenas de proposições equivalentes às supra-referidas, mas, qual método escolheremos para considerar tal proposição válida, tal outra inválida?
Passo, em seguida, a delinear as escolhas que feitas pela Loganálise para estabelecer sua Constituição Epistemológica, ou seja, o conjunto de regras a que deve obedecer sua produção teórica para ser consensualmente validada. No vocabulário usual dos filósofos da ciência, o que chamei aqui de Constituição Epistemológica, toma o nome de metateoria *.

METATEORIA: Conjunto de pressupostos, arbitrariamente escolhidos, a que se deve submeter a construção de uma teoria.

Retomemos nosso caminho: buscamos uma teoria que nos diga, no mínimo, algo como – “processos de comunicação de tipo X promovem saúde mental no ser humano” e “processos de comunicação de tipo Y promovem doença mental no ser humano” – para, a partir dela, fundamentar e desenvolver uma tecnologia. Ora, tal tipo de proposições inclui inevitavelmente termos – tais como os de “doença”, “saúde”, “mental”, “humano”, “comunicação”, etc. – cujo emprego pode ser tudo, menos consensual. De que recurso, então, faremos uso para, pelo menos entre nós, gerar tal consenso, até para que, ao divergirmos, sabermos sobre que, que fato, estamos divergindo? Vamos definir o termo, conceituá-lo, denotá-lo, conotá-lo, transmitir operacionalmente ou ad modum ponens seu significado? E, aliás o que significa, exatamente, definir, conceituar, denotar, conotar etc.? Para começar a responder a essas perguntas, refaçamos alguns passos de um caminho que já trilhei anteriormente[5]. O primeiro deles será esclarecer as noções de conotação* e denotação*, o segundo, propor uma hipótese sobre como ocorre a gênese psicológica de um conceito. Para os conceitos de conotação e denotação, acompanhemos Abbagnano:

"La distinción que la lógica moderna de corte tradicional há establecido entre los dos elementos del concepto, se funda en la distinción entre los aspectos del significado. Tales elementos del concepto son denominados algunas veces comprension y extensión; otras, intensión y extension y, otras aún, connotación y denotación. La primera pareja de terminos fue introducida por la Lógica de Port Royal; la segunda por Leibniz; la tercera por Stuart Mill. Este último, propuso restringir el significado de significado a la connotación, denominando la denotación a la referencia objetiva. Decía: "Toda vez que los nombres dados a objetos aportan alguna información, o sea toda vez que ellos, precisamente, tienen un significado, el significado no esta en aquello que denotan sino en lo que connotan. Los únicos nombres de objetos que no connotan nada son los nombres proprios, y estos, hablando com exactitud, no tienen significado"[6]. Lo que Stuart Mill entendia por connotación aparece claro en el siguiente pasaje: "La palabra hombre, por exemplo, denota Pedro, Juana, Juan y un número indefinido de otros individuos, de los cuales, tomados como una clase, tal palabra es el nombre. Pero dicha palabra se les aplica en cuanto poseen, y para significar que poseen, determinados atributos." (Ibid.). Los atributos que constituyen al hombre, esto es, corporeidad, racionalidade, etcétera, por ejemplo, forman, por lo tanto, la connotación del nombre "hombre": lo cual la tradición filosófica se denomina "esencia" o, más tarde, "concepto"."[7]

Em posse de tal diferenciação, façamos algumas considerações sobre a gênese psicológica de um conceito, para, melhor entendendo a natureza desse último, nos voltarmos sobre o problema de sua validação.

"A história de um conceito, a nosso ver, encerra as seguintes etapas:

1. Construção subliminar de uma conotação
2. Delimitação, orientada pela conotação subliminar, dos fenômenos denotados por aquela conotação
3. Exercício de reflexão sobre o universo de fenômenos denotados de forma a explicitar a conotação a eles subjacente
4. Explicitada a conotação, retorno sobre o conjunto denotado com o fito de
4.1. Excluir do conjunto aqueles fenômenos que, na fase (ii), em virtude da natureza subliminar das operações que constituíram o conjunto dos denotados, haviam sido indevidamente nele incluídos
4.2. Incluir no conjunto aqueles fenômenos que, pelas mesmas razões, haviam sido dele indevidamente excluídos"[8]

Dada a importância desse processo, vamos descrevê-lo em outras palavras e, em seguida, ilustrá-lo:
Etapas da formulação de um conceito:
(1) percebo subliminarmente que certos entes têm algo em comum (proto-conotação);
(2) passo a construir uma listagem desses entes (proto-denotação);
(3) observo essa listagem e reflito sobre ela até ser capaz de explicitar qual é aquele “algo” que eles têm em comum (conotação vera);
(4) volto-me sobre listagem para corrigi-la, adequando-a com mais precisão (denotação vera).

Ilustração: digamos que eu comece a construir subliminarmente a conotação do que irei chamar de “esfera” (proto-conotação), selecione uma série de objetos que me parecem merecer ser chamados de “esféricos” (proto-denotação) e, refletindo sobre eles, decida que a melhor descrição da característica que me levou a aproximá-los seria dizer que são “sólidos gerados pela rotação completa de um semi-círculo em torno de seu diâmetro” (conotação vera). Agora, posso voltar-me sobre a listagem que eu havia anteriormente feito para verificar se, de fato, todos os objetos nela incluídos, conformam-se a “conotação” que atribuí ao nome “esfera”. Percebo, então, que, entre esses objetos, eu havia descuidadamente incluído um icosaedro regular – sólido cuja superfície é formada por vinte polígonos regulares e cuja forma se aproxima de uma esfera – verifico que ele não se conforma à conotação que explicitei e, portanto, retiro o icosaedro do universo de objetos que eu havia listado como esféricos, corrigindo minha denotação (denotação vera). (Algum processo dessa ordem ocorreu, por exemplo, quando a OMS retirou a homossexualidade de entre os entes denotados como representativos de “doença mental”).
Posto isso, vejamos, agora, quais os critérios adotados, nesse trabalho, para a validação de conceitos e quais as sugestões propostas sobre como tais critérios. Antes, enriqueçamos nosso Glossário:

DEFINIENDUM: Termo a ser definido.

DEFINIENS: Termo ou termos definidores.

Voltemos à minha tese, onde nos encontraremos de novo com o definiendum “esfera”:

"Grande parte do que faremos nos capítulos seguintes será conceituar, ora com maior, ora com menor nível de precisão. Para fazê-lo tivemos, a cada momento, que optar, que seguir este ou aquele autor, que propor esta ou aquela alteração e, naturalmente, a cada momento, assaltava-nos a dúvida sobre a validade das decisões em curso. Essa dúvida assomou-nos tantas vezes que, por fim, fomos levados a nos indagar sobre os critérios a partir de que deveria realizar-se essa validação. Passamos a sumariar o resultado dessas indagações. Adotamos dois critérios para validar a qualidade de uma definição[9]:

Primeiro critério: conformidade com o uso (comunicabilidade). quando uma definição não preencher esse critério, chamá-la-emos de incorreta. É, pois, incorreta a seguinte definição:

Doença mental (Definiendum *) Þ sólido gerado pela rotação completa de um semicírculo em torno de seu diâmetro (definiens *).

A incorreção, no caso, é óbvia, pois o definiens acima transcrito corresponde tradicionalmente ao definiendum "esfera", que nenhum uso considera sinonímica com o definiendum "doença mental", que, por sua vez, não é vazio de significado. A incorreção de uma definição, entretanto, nem sempre é óbvia e, por vezes, devemos voltar-nos sobre um universo imprecisamente delimitado de elementos que o termo denota, para julgarmos o grau de correção a que a conotação proposta pode aspirar.

Segundo critério: adequação ao fim (conveniência)[10]. quando uma definição não preencher esse critério, chamá-la-emos de inoperante. ... Um exemplo mais rasteiro da não-operatividade de uma definição é a seguinte: para o fim implícito na proposição - "Estou com uma vontade de comer uma bala! Você tem alguma aí para mim?" - é absolutamente inoperante considerar o definiendum "bala" como equivalente ao definiens "projétil com que se carregam armas de fogo".
Expostos os dois critérios de validação de conceitos, logo se apresentam múltiplas questões, p.e.: como conjugar a aplicação desses critérios? A aplicação de um tem precedência sobre a de outro? Aplicado um, o outro não se aplica? Caso se responda afirmativamente a essa última pergunta, qual o critério que nos permite escolher entre os dois critérios? Proponho o seguinte:
O primeiro critério a ser aplicado é o critério da correção. Onde não houver conotação explícita e universal para o definiendum, esse critério é usado apenas para estabelecer limites amplos dentro de que há "correção", não havendo fora deles. Assim, embora a conotação do definiendum "doença mental" não seja universal nem explícita, foi-nos possível perceber a incorreção de equacioná-la à tradicionalmente adscrita ao definiendum "esfera". Passado o critério de correção, aplica-se, a seguir o critério de operatividade. Para isso, é claro, o uso a que pretendemos votar o conceito deve estar explicitado, sendo que, ainda assim, a operatividade dele nem sempre se revela de imediato, sendo, por vezes, necessário operar realmente com ele, para que sua adequação ou não ao fim pretendido seja constatada."[11]

Como afirmei na nota de número 9, há contextos em que vale marcar a diferença – para outros irrelevante – entre “definições conceituais” e “definições não conceituais”. Para que se compreendam as razões dessa afirmação, faz-se mister abordarmos os seguintes definienda: proposições analíticas*, proposições sintéticas *, ciências factuais *, ciências formais * e condição salva veritate*
Ciências formais * são aquelas que, como a Lógica e a Matemática, têm o seu valor de verdade independente de qualquer constatação empírica. Por exemplo, a afirmação Matemática de que a =df 2b torna automaticamente verdadeira a de que b =df a/2 e falsa a de que b =df a/20, sem que para se sustentar isso seja necessária qualquer constatação empírica. As ciências formais, simplesmente, estipulam e fiscalizam o cumprimento do que foi estipulado. Já nas chamadas ciências factuais * a atribuição de verdade ou falsidade de uma proposição passa por outros caminhos. A famosa equação e = mc², pertencente ao domínio da Física, uma ciência factual, não depende apenas de cálculos formais, mas, essencialmente, da obtenção de dados empíricos, para que possa ser confirmada.

Acrescente-se que, em Filosofia da Ciência, as proposições cuja validade depende apenas de obedecerem ou não a certas regras arbitrariamente estabelecidas são freqüentemente chamadas de proposições analiticas *, enquanto as que dependem de consulta ao empírico para a verificação de sua validade tomam o nome de sintéticas *. A equação e = mc² é uma proposição sintética porque foi introduzida com todos os seus termos interpretados, seja, onde temos “e” ,leia-se “energia”, onde, “m”, leia-se “massa”, onde, “c”, leia-se “velocidade da luz”. Essas interpretações dos termos da equação exigem recurso a constatações empíricas para a verificação da verdade ou falsidade da equação. Bastava que um de seus termos não fosse interpretado para que essa equação se transformasse em uma proposição analítica. Se “e”, por exemplo, não tivesse um significado próprio, a proposição “e =df mc²” indicaria apenas que eu estou estipulando que, em minha teoria “e” estará sendo sempre empregado como equivalente a “mc²” e não há nenhuma constatação empírica a ser feita para que se determine a verdade ou falsidade disso. Cabe, apenas, a fiscalização de se essa equivalência estipulada está sendo obedecida nas proposições que compõem a teorização que a pressupõe. Esclarecidos esses termos, podemos entender por que, para podermos considerar um definiendum adequadamente definido, seu definiens, além de satisfazer os dois critérios alinhados em minha tese, deve preencher um outro, mencionado por Rudner[12]: a condição salva veritate.
A condição salva veritate será considerada preenchida se, e somente se, o definiendum em pauta puder ser substituído por seu definiens – e vice-versa – em qualquer declaração, sem que essa declaração tenha alterado seu valor de verdade. Aquele autor dá um exemplo[13] que torna bem clara a condição salva veritate: se o definiens "fêmea do javali" é adequado para o definiendum "gironda", ele deve manter o valor de verdade – ou de falsidade – das frases em que substituir esse último. Assim: "Elefantes se reproduzem cruzando com girondas" é tão falso quanto " Elefantes se reproduzem cruzando com fêmeas do javali" e "Javalis se reproduzem cruzando com girondas" é tão verdadeiro quanto "Javalis se reproduzem cruzando com sua fêmeas". Feitos esses esclarecimentos, podemos entender por que Rudner considera inadequadas expressões como "definição operacional" e "definição ostensiva". Vejamos:

"Incidentalmente, a existência e a irrefutabilidade prima facie da condição salva veritate lançam dúvidas sobre a propriedade com que as chamadas "definições operacionais" e "definições ostensivas" são consideradas definições, de qualquer modo. Parece evidente que os processos designados por essas duas expressões se consideram definições simplesmente porque se trata de processos por meio de que se comunicam os significados de termos. Mas não é preciso refletir muito para se revelar que a comunicação de significado não é uma condição necessária nem, certamente, suficiente, para que alguma coisa atinja a posição de uma definição.
Não é uma condição suficiente porque os significados são transmitidos por uma quantidade imensa de coisas (desde a inclinação de uma sobrancelha até à inclinação da asa de um bombardeio) a que seria absurdo chamar "definições".

Que não é necessário a uma definição transmitir significado é revelado pela existência do grande número de definições na Matemática e na Lógica puramente formais, que não comportam significado e se apresentam, unicamente, para servirem propósitos de conveniência notacional.
A esta luz, "definição operacional" e "definição ostensiva" podem ser reconhecidas como denominações impróprias. A primeira refere-se ao processo de transmissão de significado de um termo mediante a especificação das operações requeridas para comprovar a presença da coisa a que o termo se refere; a segunda refere-se ao processo de transmissão de significado de um termo expondo as coisas a que o termo se refere. Seria mais exato denominar esses processos como "transmissão operacional de significado" e "transmissão de significado por apresentação ostensiva"."[14]

CIÊNCIA FACTUAL: Toda aquela cujas proposições, para serem validadas, devem obedecer a (1) regras formais de construção e derivação e (b) verificações de ordem empírica. Ex.: Física, Química, Biologia, Psicologia.

CIÊNCIA FORMAL: Toda aquela cujas proposições, para serem validadas, devem, apenas, obedecer a regras formais de construção e derivação. Ex.: Lógica, Matemática.

CONDIÇÃO SALVA VERITATE: Exigência de que, para que reconheçamos uma definição * como adequada, a substituição do definiendum por seu definiens e vice-versa não altere o valor de verdade de qualquer proposição em que tal substituição ocorra.

DEFINIÇÃO: Qualquer relação entre dois conjuntos de termos – o definiendum * e o definiens *– que obedeça a condição salva veritate *. Ex.: “a = 2b”, e “clepsidra = relógio de água”.

DEFINIÇÃO OPERACIONAL: Expressão inadequada freqüentemente empregada para significar o que merece mais apropriadamente ser nomeado de transmissão operacional de significado * (Cf.).

DEFINIÇÃO OSTENSIVA (ou AD MODUM PONENS): Expressão inadequada freqüentemente empregada para significar o que merece mais apropriadamente ser nomeado de transmissão ostensiva (ad modum ponens) de significado * (Cf.).

PROPOSIÇÃO ANALÍTICA: Proposições cujo valor de verdade é arbitrariamente estabelecido.

PROPOSIÇÃO SINTÉTICA: Proposições cujo valor de verdade depende de verificação empírica.

TRANSMISSÃO OPERACIONAL DE SIGNIFICADO: Conjunto de instruções que, obedecidas, leva o sujeito a defrontar-se com o(s) objeto(s) referido(s) por um determinado termo. Exemplo: Clepsidra é aquilo com que você se defronta na prateleira do meio da estante do meu quarto.

TRANSMISSÃO OSTENSIVA DE SIGNIFICADO: Transmissão da relação entre um termo e o(s) objeto(s) referido(s) a que ele se refere através do apontamento direto desse(s) objeto(s). Exemplo: Clepsidra é isto (e indico com o dedo).

As considerações acima nos aparelham com um vocabulário mínimo para que possamos enfrentar eficazmente os complexos obstáculos que se opõem à desejável padronização no uso dos termos que compõem uma teoria. Essa aproximação, como nos lembra Rudner, será muitas vezes parcial, gradual e tentativa:

“a especificação de uma condição suficiente para a aplicação de um termo não determina inteiramente o uso desse termo nem lhe dá seu “pleno significado” ... Assim, uma teoria pode compreender a afirmação “Se um organismo tem sangue quente, então, é um animal” e também a afirmação “Se um organismo tem coluna vertebral, então, é um animal”. Cada um desses enunciados determina parcialmente o uso do termo “animal”; num certo sentido, ambos, tomados em conjunto, determinam mais completamento o uso do que cada um per se, mas nenhum deles, separada ou conjuntamente, determina completamente o uso do termo.”[15]

Assim, em vários momentos de nossos futuros trabalhos, teremos que nos contentar com tais “aproximações parciais” do significado desse ou daquele termo. Isso, contudo, não deverá fazer que percamos de vista qual o status conceitual dos vários termos com que estamos operando. Vejamos como esse cuidado está posto em minha já referida tese:

"a construção de um conceito científico de doença mental ocorre na área de intercessão de uma multiplicidade de conceitos ontológicos, epistemológicos, biológicos, neurológicos, psicológicos, sociológicos, políticos, antropológicos, etc., nem sempre – para não dizer quase nunca – investidos de maior clareza. Assim, diante de termos como "númeno", "fenômeno", "determinismo", "teleologia", "explicação", "compreensão", "conceito", "teoria", "significante", "significado", "sistema", "equilíbrio", "homeostase", "desenvolvimento", "integração", "fixação", "regressão", "volição", "cognição", "prazer", etc., vimo-nos defrontados com as seguintes alternativas:

1) Deixar de empregar o conceito
2) Empregá-lo sem defini-lo
3) Empregá-lo adscrevendo-lhe uma definição sucinta
4) Empregá-lo adscrevendo-lhe uma definição algo mais extensa

Assim sendo, para exemplo, sofreram o tratamento (i) os mecanismos de defesa freudianos (repressão, projeção, deslocamento, etc.); o tratamento (ii), os conceitos de significante, significado, integração, etc.; o tratamento (iii) os conceitos de determinismo, de livre arbítrio, de desenvolvimento, etc.; o tratamento (iv) os conceitos de sistema, de equilíbrio, de teleologia, etc. Os critérios de decisão para a distribuição nos diversos tratamentos foram a centralidade do conceito para a teoria e o grau de acordo reinante em relação ao significado do conceito (quanto maior o acordo, menor, é claro, a necessidade de definição explícita). ... os tratamentos (ii) e (iii) permitiram que fossem integrados numa mesma rede teórica uma vasta quantidade de conceitos em nosso ver extremamente relevantes para a conceituação pretendida, o que, fosse exigido o grau (iv) de precisão definitória, seria inexeqüível por falta do tempo e da especialização requeridos. Esforçamo-nos, todavia, para que a margem de imprecisão assumida não prejudicasse a inteligibilidade do todo"[16]

Saber que, muitas vezes, estaremos trabalhando com termos pobremente delimitados, não nos deverá, todavia, fazer esquecer de que, freqüentemente, estaremos trabalhando na direção de construir adequadas definições conceituais[17] para grande parte dos termos que irão compor nossas teorizações.

Terminamos, aqui, nosso primeiro módulo. Até o próximo.

[1] Tradução de uma estrofe em francês que mantenho de memória : "Ce que l'on conçoit bien / S'ennonce clairement / Et les mots pour le dire / Arrivent aisément."
[2] Pessoa, F. Citado de memória.
[3] As palavras que, ao serem aqui introduzidas, o forem em itálico, seguidas de asterisco, encontrar-se-ão definidas em Glossários Parciais e em um Glossário Geral, disponível ao fim deste curso.
[4] Cf. a formulação de Rudner: “O método de uma ciência é, com efeito, o fundamento lógico em que baseia sua aceitação ou rejeição de hipóteses ou teorias.” (Rudner, R. S.. Filosofia da Ciência Social. Rio: Zahar, 1969, p. 19.)
[5] Ebraico, L. C. de M. O Conceito de Doença Mental. 1976. Tese (Mestrado) - PUC, Rio de Janeiro, RJ, 1976. (A época que cursei o Mestrado, ainda se exigiam “teses” para esse nível de graduação. Hoje, a exigência é do que se convencionou chamar “dissertação”, em que o mestrando não precisa defender nenhuma hipótese ou teoria original, bastando que exponha um razoável conhecimento da literatura relativa ao tema que escolheu.)
[6] Poderia ter afirmado: “têm entes referidos, mas não tem significado”.
[7] Abbagnano, N. Diccionario de Filosofia. México: Fondo de Cultura Económica, 1963, p. 1060-1061.
[8] Ebraico, L. C. de M. Op. cit., p. 84-5.
[9] Na verdade, em determinados contextos, é importante deixar explícita a diferença entre “definições conceituais” e “definições não conceituais”. Logo apontaremos essa diferença.
[10] Freud tinha perfeita ciência de que a escolha de um conceito é em grande parte arbitrária, estando subordinada ao tipo de uso que se pretende fazer dele. Ora, frente à ambição de explicar o mais amplamente que possível o humano, a equivalência entre “psíquico” e “consciente” – por deixar de fora do espaço explicativo da Psicologia fenômenos como os sintomas psiconeuróticos, os sonhos e as parapraxes – muito mais do que errada, era inconveniente: “a equivalência convencional entre o psíquico e o consciente é totalmente inconveniente” (“die Konventionelle Gleischstellung des Psychischen mit dem Bewubsten ist durchaus unzweckmäbig”: S. Freud, “Das Unbewubte”, in GW, vol. X, p. 266. A ESB – 1974, vol. 14, p. 193 – traduz o alemão “unzweckmässig” e o inglês “inexpedient” – SE., 1971, vol. 14, p. 167-8 – por “inadequada”, fazendo que se perca a especificidade implicada por “inconveniente”).
[11] Ebraico, L. C. de M.. Op. cit., p. 8-10.
[12] Rudner, R. S. Filosofia da Ciência Social. Rio: Zahar, 1969.
[13] Rudner, R. S. Op. cit., p. 34.
[14] Rudner, R. S. Op. cit., p. 40. Poderíamos ainda mais exigentes e preferir expressões como “transmissão operacional de referência” e “transmissão ostensiva de referência”. Acrescente-se que a chamada “definição ostensiva” também é conhecida como “definição ad modum ponens”.
[15] Rudner, R. S. Filosofia da Ciência Social. Rio: Zahar, 1969, p. 81-2.
[16] Ebraico, L. C. de M. O Conceito de Doença Mental. 1976. Tese (Mestrado) - PUC, Rio de Janeiro, RJ, 1976, p. 5-6.
[17] Permita-me recordar-lhe que definições conceituais são definições interpretadas – como no exemplo em que e = df mc² aparece como uma proposição analítica – e as não conceituais são definições não interpretadas – como quando oferecemos a = df 2b –como exemplo desse mesmo tipo de proposição.

MÉTODO CIENTÍFICO E LOGANÁLISE: SEGUNDO MÓDULO

O lingüístico e o extra-lingüístico (os termos em itálico e seguidos de asterisco têm definição em nosso GLOSSÁRIO)

Tomemos a seguinte definição:

guffaw =df Gelächter

A identidade definitória acima implica que, dentro da teoria que a acolher, um termo pode substituir o outro sem infringir a condição salva veritate. Mas, para quem não tenha um vocabulário relativamente sofisticado do inglês, a que pertence a primeira palavra, ou do alemão, a que pertence a segunda, tal definição não implicará nada mais do que isso: permanecerá como uma proposição que nada designa fora do universo lingüístico. Se, entretanto, para uma platéia que fala português, eu acrescentar –

guffaw =df Gelächter =df gargalhada

– teremos, certamente, nesse momento, ultrapassado os limites de um universo ocupado apenas por símbolos, que eternamente se substituem uns aos outros, sem nada designar para além deles. Teremos passado do universo lingüístico para o extra-lingüístico, passagem a que denominaremos de referência* (A maior parte de nosso encontro anterior foi dedicada a uma análise das várias maneiras através de que se pode fazer essa passagem, cuja natureza, aliás, acabo de assinalar ad modum ponens).

ENTIDADE EXTRA-LINGÜÍSTICA: Entidade referida.

ENTIDADE LINGÜÍSTICA: Entidade referente.

REFERÊNCIA: Ato ou processo de associar um elemento lingüístico a um extra-lingüístico.

O estabelecimento preciso das condições de passagem do lingüístico para o extra-lingüístico é uma característica essencial das ciências factuais. Alinhada entre essas últimas, cumpre à Loganálise explicitar as condições em que pretende fazer tal passagem. E, para isso, precisa responder à seguinte pergunta: em seu salto para extra-lingüístico, quanto desse extra-lingüístico ela pretende abocanhar? Uma primeira aproximação da resposta a essa pergunta seria a seguinte: mais do que pretendem as ciências de inspiração positivista, como o behaviorismo, e menos do que certos departamentos da filosofia, como a ontologia. Passamos, doravante, a detalhar o significado dessa resposta.

As entidades extra-lingüísticas: entes de realidade e entes de razão

Chamemos de entes (ou entidades)de razão* àqueles que, existindo apenas em nossas mentes, não podem ser causa nem efeito diretos de nenhum fenômeno empírico inter-subjetivamente observável. Chamemos de entes (ou entidades)de realidade (ou reais) àqueles que existem fora de nossas mentes, podendo ser causa e/ou efeito de fenômenos empiricamente observáveis.

ENTE (ou ENTIDADE) DE RAZÃO:
1. Todo e qualquer elemento não referido de um discurso;
2. Toda a entidade extra-lingüística * incapaz de manter relações de causa-efeito com dados empíricos inter-subjetivamente observáveis. Cf. Idealização*.

ENTE (ou ENTIDADE) DE REALIDADE (ou REAL): Entidade extra-lingüística capaz de manter relações de causa-efeito com dados empíricos inter-subjetivamente observáveis.

O extra-lingüístico: 1. Idealizações

Entre os entes de razão, interessam-nos particularmente as idealizações*:

IDEALIZAÇÃO: Todo e qualquer ente de razão* entendido em seu sentido (2).

Na medida em que as idealizações não são entes reais, nada que observemos empiricamente pode ser considerado causa ou efeito delas. Ouçamos RUDNER:

“Semanticamente, a característica predominante das idealizações é a de que, literalmente, nada descrevem – não existe entidade, processo ou estado de coisas com que a idealização se situe em relação designativa ou descritiva.” [1] (Evidentemente, onde Rudner fala de “entidade, processo ou estado de coisas”, entenda-se “entidade, processo ou estado de coisas reais”.)

A despeito de nada existir, fora de nossa mente, que corresponda às idealizações, elas, por seu valor heurístico, foram e continuam sendo usadas pala ciência e pelo conhecimento comum, como bem se vê pelos seguintes trechos de CHISHOLM onde as vemos compreendidas sob o título de “contrary-to-fact conditionals”:

“A significant part of our knowledge is usually expressed in subjunctive and “contrary-to-fact” conditional statements. We seem to have knowledge of what might have happened, or what would have happen if certain conditions were realised, or of what tendencies, faculties or potentialities an object could manifest in suitable environments. And this, most of us would be inclined to say, is valid and significant, even though the possible events to which it seem to pertain may never become actual.”[2]

E ainda:

“In general, it may be said that adequate understanding of science and history requires the ability to consider the consequences of hypotheses known to be contrary-to-fact. In the study of anatomy, for instance, it would be difficult to assess the importance of an organ or function unless we were able to conceive what would happen if that organ or function did not exist. In physics it is necessary to be able to conceive of states of affairs which, in all likelihood, will never become actual. Thus Galileo, as is well known, founded his dynamics upon the conception of a body moving without the influence of any external force. Examples of this sort may be readily multiplied.” [3]

Evidentemente, uma das maiores utilidades de uma idealização é permitir, tomada ela como referência, uma classificação dos entes reais. (Veremos como, por exemplo, em posição antípoda à da anti-psiquiatria, defendo, em minha tese, um conceito de saúde mental perfeita – ideal – relativamente a que devem ser ordenados os diversos níveis de doença mental – estes, sim, esmagadoramente reais.) Entretanto, embora as idealizações – termo que empregaremos para nos referir tanto a entes quanto a condições que só existem sob forma de idéia – se multipliquem, tanto nas ciências naturais – cf., p.e., os conceitos de “pêndulo matemático”, “motor sem atrito”, “impacto perfeitamente elástico”, da Física – quanto nas ciências sociais – cf., p. e., os conceitos de “concorrência perfeita”, “indivíduo economicamente racional”, “mercado perfeitamente accessível”, da Economia – seu emprego, extremamente bem sucedido nas primeiras, tem seu valor menos firmemente estabelecido nas últimas.

“Essa diferença na utilidade do emprego das idealizações nas ciências naturais e nas ciências sociais talvez possa ser explicada se empregarmos as expressões de Hempel[4] – “idealizações teóricas” e “idealizações intuitivas” – para diferençar, respectivamente, entre as idealizações que preenchem ou não os seguintes requisitos, arrolados por RUDNER[5]:

1) terem seus termos metricamente definidos;
2) serem matematicamente deduzidos através da atribuição de valores-limites aos termos mencionados em (1);[6]
3) estarem inclusas dentro de um corpo teórico, mais amplo, de maneira que a validação desse último implique a validação indireta da idealização.”[7]

IDEALIZAÇÃO INTUITIVA: Toda e qualquer idealização* que não preencha os requisitos preenchidos pelas idealizações teóricas*.

IDEALIZAÇÃO TEÓRICA: Toda idealização * que preencha os seguintes requisitos:
1. Metrificação de seus termos;
2. Ser matematicamente deduzida através de valores limites atribuídos a esses termos;
3. Estar articulada a um corpo teórico de forma que a confirmação ou desconfirmação deste implique a confirmação ou desconfirmação indireta da idealização.

Embora, como vimos, as ciências chamadas sociais ainda estejam claudicando no que diz respeito à precisão na formulação de suas idealizações, a Loganálise se dispõe a acolher esses entes de razão entre seus referentes extra-lingüísticos, sempre que, como ocorre com o conceito de saúde mental por ela esposado, os considerar instrumentais para seus propósitos. Já entre os entes reais, que passamos a estudar, ela irá, como veremos, deixar fora de suas teorizações o que se convencionou chamar de númeno*, referindo-se apenas às entidades inferidas* e às entidades observacionais*.

O extra-lingüístico: 2. Númenos[8].

Vejamos como encarei a questão dos númenos, em minha tese:

“... ao iniciarmos este trabalho, nossas posições epistemológicas eram inspiradas por autores de índole neopositivista[9], de forma que, juntamente com eles, considerávamos o conjunto de conhecimentos tradicionalmente englobados sob o título de Ontologia um conjunto de pseudo-conhecimentos, constituído por uma série de respostas sem significado atribuídas a uma série de perguntas igualmente sem significado. Uma diversificação da consulta bibliográfica[10], contudo, foi suficiente para alterar esse ponto-de-vista, basicamente no sentido de considerar legítimo o conhecimento que tem por alvo o númeno. O cabimento da postulação de um númeno, que só na filosofia moderna tem farta tradição – cf., p. e., DESCARTES[11], D’ALEMBERT[12], CONDILLAC[13], BONNET[14], MAPERTUIS[15], KANT[16] - fica particularmente evidente através da exposição feita por BERTALANFFY do “enfoque da biologia moderna inaugurada por Jacob von Uexküll sob o nome de Umwelt-Lehre[17]. Segundo esse relato de BERTALANFFY, a proposta de UEXKÜLL[18].

'Consiste essencialmente em afirmar que cada organismo vivo corta uma fatia do grande bolo da realidade, que lhe é possível perceber e à qual pode reagir devido a sua organização psicofísica, isto é, a estrutura dos órgãos receptores e efetores[19]. VON UEXKÜLL e KRISZAT[20] apresentaram fascinantes quadros que mostram como uma mesma seção da natureza é vista por vários animais. “... Tomemos, por exemplo, um carrapato de alcatéia num mato à espera da passagem de um mamífero em cuja pele se instala para beber o sangue. O sinal é o odor de ácido sulfúrico proveniente das glândulas epidérmicas de todos os mamíferos. Seguindo esse estímulo, o carrapato mergulha. Se caí sobre um corpo quente – como se fosse movido por seu agudo sentido térmico – alcançou a presa, um animal de sangue quente e só necessita encontrar, com auxílio do sentido do tato, um lugar livre de pelos para perfurar. Assim, o rico ambiente do carrapato encolhe-se até metamorfosear-se em uma minguada configuração a partir de que brilham, como um farol, apenas três sinais, que são, contudo, suficientes para conduzir seguramente o animal até a sua meta. Ou, então, alguns ouriços-do-mar respondem a qualquer escurecimento batendo juntos seus espinhos. Esta reação é aplicada invariavelmente contra uma nuvem ou um bote que passam ou o inimigo real, um peixe, que se aproxima. Assim, embora o ambiente do ouriço-do-mar contenha muitos objetos diferentes, seu meio só contem uma característica, a saber, a redução da intensidade da luz.' ”[21]

Entenderemos essa mesma realidade que, como nos mostra vividamente UEXKÜLL, atinge fenomenicamente cada espécie de forma diversa, como correspondendo à substância, ao númeno, à coisa em si[22], termos clássicos da filosofia, considerando que tal realidade corresponde aos componentes do nível ontológico de nossa atividade cognitiva.”[23]

Hoje, diferentemente do que fazem os positivistas, não considero esses termos – objeto principal de referência da Ontologia, uma variação da Metafísica, ramo da Filosofia – como vazios de significado, mas sim, como um ponto-de-fuga de nossas abstrações sobre a totalidade do mundo fenômenico. A Ontologia, com efeito, “estudia los caracteres fundamentales del ser, los caracteres que todo ser tiene y no puede dejar de tener”[24]. Os termos da ciências factuais, jamais tem por referência o(s) númeno(s) porque, a existência desse(s), embora, como vimos, seja uma exigência racional para dar coerência ao nosso pensamento sobre o mundo fenômenico como um todo, em nada nos assiste para dar conta das transformações que ocorrem nas porções bastante limitadas desse todo de que cada uma daquelas ciências se ocupa.

O extra-lingüístico: 3. Entidades inferidas e Entidades observacionais.

Eliminado o númeno, enquanto referentes extra-lingüísticos das ciências factuais, e, portanto, da Loganálise, resta-nos considerar mais duas categorias de entidades reais, e decidir quais, dentre elas, vamos acolher em nossas teorizações. Tais entidades já foram tão diversamente nomeadas na história da ciência – já foram chamadas de “construtos”, “construções”, “construtos hipotéticos”, “entidades inferidas”, “variáveis intervenientes”, etc.,[25] – que, para nosso uso, proponho deixarmos de lado essa salada terminológica, e, tendo tomado nota de que ela existe, nos restrinjamos ao emprego das expressões entidades observacionais* e entidades inferidas*, que passo a esclarecer.
O que chamaremos de entidades observacionais é o que RUSSELL definiu como “nothing but a certain grouping of certain sensibilia”[26]: nada mais do que um certo agrupamento de certos dados sensoriais. É evidente que, em nosso trabalho clínico, estaremos freqüentemente trabalhando com entidades observacionais, como, por exemplo, distúrbios de motilidade. O que acontece, entretanto, se, diante de um determinado distúrbio de motilidade, afirmamos ser ele uma conversão*? Antes de mais nada, em termos de linguagem, estaremos sendo bastante frouxos (não obstante, caso cientes disso, tal frouxidão possa ser desculpável, por razões de economia). Dentro de um linguajar preciso, um distúrbio de motilidade jamais poderia ser uma conversão. Qualquer pessoa minimamente versada na teoria psicanalítica sabe que, isto sim, que um distúrbio de motilidade pode ser um dos elementos diretamente observáveis de um processo mais amplo, que abrange vários elementos inobserváveis – supostos deslocamentos de energia dentro de subsistemas de um igualmente suposto aparelho psíquico. Esses elementos não observáveis – entidades inferidas – se encadeiam de forma ter entre seus efeitos observáveis – entidades observacionais – o referido distúrbio de motilidade. A relação entre entidades inferidas e entidades observacionais é feita pelo que podemos chamar de regras de correspondência*. Por exemplo, a proposição “Se há um sintoma conversivo, há recalque” é uma regra de correspondência.

Assim, temos:

ENTIDADE INFERIDA: Entidade extra-lingüística real * que mantém relações explícitas com entidades observacionais* segundo o determinado por uma ou mais regras de correspondência*.

ENTIDADE OBSERVACIONAL: Entidade extra-lingüística real* composta por, e apenas por, um deteminado conjunto arbitrariamente selecionado de dados observáveis.

NÚMENO: Entidade extra-lingüística real* que não mantém relações explícitas com entidades observacionais* segundo o determinado por uma ou mais regras de correspondência*.

REGRA DE CORRESPONDÊNCIA: Qualquer proposição que estipule condições de relação entre, por um lado, uma ou mais entidades inferidas* e, por outro, uma ou mais entidades observacionais*.

Há um grupo de pensadores – por vezes chamados de positivistas e que, suponho, estão em via de provável extinção – que sustentam não deverem as ciências trabalhar senão com entidades observacionais, confundindo númenos, que não se fazem acompanhar de regras de correspondência que os relacionem com elementos específicos do mundo empírico, com entidades inferidas, que se fazem acompanhar delas, e considerando, por isso, esses dois últimos tipos de entidades reais como “metafísicas” e, portanto, pertencentes ao domínio da filosofia. O behaviorismo – que, desde algumas décadas, de forma sub-reptícia e algo envergonhada, tenta, para sobreviver como ciência, escapar da camisa-de-força positivista que inicialmente adotou – é um exemplo dessa naïveté metodológica, que já chegou – pasmemos! – a ser sustentada por pensadores do calibre de um BERTRAND RUSSELL[27] e que, aplicada a contento, nos levaria a conclusão de que um surdo de nascença, caso não fosse também cego, poderia pretender estudar cientificamente a luz, fazendo física[28], mas, ao estudar o som, deveria contentar-se com fazer filosofia, pois estaria trilhando dimensões metafísicas! Por sua vez, o cego de nascença que não fosse surdo, ficaria na posição inversa: poderia estudar o som como cientista, mas quando estudasse a luz estaria necessariamente sendo um filósofo! E mesmo uma pessoa com audição normal estaria deixando de fazer Física para fazer Metafísica, quando, ao estudar o som, deixasse os limites em que ele é acessível ao ouvido humano para enfocá-lo em níveis só accessíveis a certos animais. Muita bobagem, não? Teriam sido os positivistas que levaram NÉLSON RODRIGUES a cunhar a expressão “idiotas da objetividade”?! À parte o reductio ad absurdum de que podem ser alvo, do ponto de vista lógico, as criticas positivistas ao emprego de entidades inferidas no âmbito da ciência, do ponto de vista pragmático, o recurso a essas últimas potencializa o poder preditivo de uma teoria de uma forma que, mostra a experiência e sugere a razão, o mero recurso a entidades observacionais não é capaz de fazer.

“(the) inferred element which Russell is so anxious to avoid is precisely the factor that must be added to every construct to give it predictive value.”[29]

Com efeito, se, frente a suas próprias características e a outros dados do contexto que ocorre, interpreto um distúrbio motor – entidade observacional – como eqüivalendo a um sintoma conversivo – entidade observacional explicada por uma determinada teoria, a Psicanálise – eu passo automaticamente a encarar tal distúrbio como efeito de um processo de recalque – entidade inferida! – ou seja, de insuficiente investimento energético – entidade inferida! – em um determinado conjunto de representações de palavra – entidade inferida! – e de excessivo investimento energético no correspondente conjunto de representações de coisa – entidade inferida! Tal entendimento, por sua vez, via regras de correspondência, leva-me imediatamente fazer novas previsões sobre o empírico – bloqueios da verbalização, presença de indicadores de fratura, de indicadores de fixação, de transferência, de meta-transfêrencia, de disforias, de deficits de racionalidade e de arbítrio, etc. – cuja correção ou não deverá ser verificada, numa eterna e extremamente fecunda dialética entre o não-observável e o observável.
Antes de encerramos este item de nossa exposição, note-se que o status de observacional ou inferida que atribuímos a uma determinada entidade depende das circunstâncias em que estamos inseridos. Se um neurologista, em seu consultório, verifica em seu paciente a presença de uma hemianópsia bilateral e atribui tal fenômeno a uma lesão no quiasma ótico, tal lesão, naquele momento, tem o status de entidade inferida, mas um status instável, que pode ser alterado durante uma cirurgia, uma autópsia, ou a qualquer outro tipo de sofisticado exame não invasivo. Já os íons de hidrogênio que podemos inferir presentes em uma substância através da leitura de um medidor de pH tem um status mais estável de entidade inferida. Não tenho notícia de que se haja inventado nenhum recurso tecnológico capaz de transformar íons em entidades observáveis. Daí, inclusive, a recomendação de BECK:

“in view of the fact that the inferred entity may later be observed, we prefer that the internal organization of the inferred entity be analogous to something in the world of direct experience.”[30]

Não nos esqueçamos que, durante milênios, para a humanidade, a outra face da lua não foi mais do que uma entidade inferida...

Os níveis de atividade cognitiva

Resumamos o que foi dito até aqui, no seguinte quadro, que sumariza os níveis de atividade cognitiva:

A. NÍVEL LINGUÍSTICO: símbolos

B. NÍVEL EXTRA-LINGUÍSTICO:

2.1.1. Nível Científico-Factual:
2.1.1.1. Entes reais:
2.1.1.1.1. Entidades observacionais
2.1.1.1.2. Entidades inferidas

2.1.1.2. Entes de razão: idealizações.

2.1.2. Nível Metafísico:
2.1.2.1. Entes reais: númenos
2.1.2.1. Entes de razão: idealizações

Ficamos por aqui. Encontramo-nos no próximo – e último – módulo.

[1] Rudner, R. S. op. cit., p. 90.
[2] Chisholm, R. M. “The Contrary-to-Fact Conditional”, in: Feigl, H. & Sellars, W. (Eds.). Readings in Philosophical Analysis. New York: Appleton-Century-Crofts, 194, p. 482.
[3] Ibid., p. 483.
[4] Hempel, C. “Problems of Concept Formation in the Social Sciences”, in: Science, Language, and Human Rights. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1952.
[5] Rudner, R. S.. Op. cit., p. 94-95.
[6] Por exemplo, a construção do conceito de “gás ideal” através da atribuição do valor zero ao volume e à atração gravitacional de suas partículas materiais, consideradas puntiformes.
[7] Ebraico, L. C. de M. Op. cit, p. 39-40.
[8] A notação “o(s) númeno(s)” deve-se à polêmica de se pode haver ou não mais de um ente dessa natureza.
[9] Notadamente: Carnap, R. “Logical Foundations of the Unity of Science”, in: Feigl, H. & Sellars, W. (Eds.). Readings in Philosophical Analysis. New York: Appleton-Century-Crofts, 1949; Feigl, H. “The Mind-Body Problem in the Development of Logical Empiricism”, in: Feigl, H. & Brodbeck, M. (Eds.). Readings in Philosophical of Science. New York: Appleton-Century-Crofts, 1953; Hempel, C. G. “The Logical Analysis of Psychology”, in: Feigl, H. & Sellars, W. (Eds.), op. cit; Lewis, C. I. “Some Logical Considerations concerning the Mental”, ibid.; Ayer, A. S. Logical Positivism. New York: Free Press, 1959; Abril Cultural (Ed.) Os Pensadores, cap. 67: “Carnap, Schlick, Popper”. São Paulo: Abril, 1974;
[10] Abbagnano, N. Op. cit., passim; Bunge, M. Metascientific Queries. Springfield: Charles Thomas, 1959; Benjamin, A. C. Operationism. Springfield: Charles Thomas, 1955; Bertalanffy, L. von Teoria Geral dos Sistemas. Petrópolis: Vozes, 1973; Edwards, P. The Encyclopaedia of Philosophy (8 vols.). New York: MacMillan, 1967, passim; Feigl, H. “Mind-Body Problem, not a Pseudo-Problem”, in: Hook, S. (Ed.) Dimensions of the Mind. New York: New York University Press, 1960; Harré, R. The Philosophies of Science. London: Oxford University Press, 1972; Köhler, W. “The Mind-Body Problem”, in: Hook, S. (Ed.), op. cit. ; Pepper, S. C. “A Neural-Identity Theory of Mind”, in: Hook, S. (Ed.), op. cit.; Sprague, E. “The Mind-Brain Problem”, in: Hook, S. (Ed.), op. cit. ; Ullmo, J. La Pensée Scientifique Moderne. Paris: Flammarion, 1969.
[11] Descartes, R. Princípios de Filosofia (II, 3), cit. in: Abbagnano, op. cit., p. 249.
[12] Alembert, J. le R. D’. Eléments de Philosophie, parágrafo 19, cit. in: Abbagnano, op. cit., ibid..
[13] Condillac, E. B. Logique, apartado 5, cit. in: Abbagnano, op. cit., ibid..
[14] Bonnet, C. Essai Analytique, parágrafo 242, cit. in: Abbagnano, op. cit., ibid..
[15] Mapertuis, ... . Lettres (IV), cit. in: Abbagnano, op. cit., ibid..
[16] Kant, L. Crítica da Razão Pura (Analítica dos Princípios, cap. III), cit. in: Abbagnano, op. cit., ibid..
[17] Bertalanffy, L. von. Op. cit., p. 302.
[18] Uexküll, J. von. Umwelt und Innenwelt der Tiere. Berlin: Springer,1920; Id., Teoretische Biologie. Berlin: Springer,1929; Uexküll, J. von & Kriszat, G. Umwelt und Innenwelt der Tiere. Berlin: Springer,1934.
[19] Essa dependência do percebido em relação à estrutura cognitiva do percebedor é igualmente enfatizada por Bunge: “This is partly due to our psychophysical organisation: name that we have neither receptors for every one of the impulses impinging upon us, nor effectors for every one of the sensations, images, ideas, etc., that originate in us.” Bunge, M., op. cit., p. 118.
[20] Uexküll, J. von & Kriszat, G. , op. cit..
[21] Uexküll, J. von. Umwelt und Innenwelt der Tiere. Berlin: Springer,1920, in: Bertalanffy, L. von. Op. cit., p. 302-304). É curiosíssima, nessa transcrição, a oposição proposta entre “ambiente” e “meio”, sugerindo que o primeiro se refere a todo o real e o segundo, à fatia desse a que o ouriço tem acesso perceptual. Não tive acesso ao original. Vissicitudes da tradução?
[22] Os termos “númeno”, “substância” e “coisa-em-si”, estão, aqui, sendo usados sinonimicamente.
[23] Ebraico, L. C. de M. Op. cit., p. 12-14.
[24] Abbagnano, N. Op. cit., p. 795 (grifo meu)
[25] Cf., p.e., Beck, L. W. “Constructions and Inferred Entities” e MacCorquodale, K & Meehl, P. E. “Hypothetical Constructs and Intervening Variables”, in: Feigl, H. & Brodbeck, M (Eds), op. cit..
[26] Russell, B. Mysticism and Logic, cit. In: Beck, L. W., op. cit., p. 370.
[27] Cf. Benjamin, A. C. “Science and Vagueness”, in Beck, L. W., op. cit., p. 374.
[28] Assim mesmo, naturalmente, física medieval, não contemporânea...
[29] Benjamin, A. C., ibid.
[30] Beck, L. W.. Op. cit., p. 377.

MÉTODO CIENTÍFICO E LOGANÁLISE: TERCEIRO MÓDULO

Revendo nosso percurso

A SBL assumiu, desde sua data de fundação, que seu objetivo último é adotar e desenvolver tecnologias capazes executar, tão eficazmente quanto possível, a tarefa de promover, profilática e terapeuticamente, a saúde mental. Vimos, a partir disso, como, por definição, uma tecnologia existe a reboque de uma teoria e, nesse primeiro passo de nossa atividade intelectual, nossa tarefa tem sido metateórica, ou seja, voltada para estipular as características que deverá apresentar a teoria que serve a nossos propósitos. Já determinamos algumas: tal teoria, em relação a seus termos, deverá apresentar características típicas das produzidas e abrigadas pelas chamadas ciências exatas[1]. Uma tal teoria é armazenada e transmitida em nível lingüístico, mas, para que possa nos servir tecnologicamente, deve estabelecer com razoável precisão – ciências factuais não trabalham com verdades absolutas, mas com erros úteis – quais (1) condições devem ser obedecidas e (2) instrumentos devem ser empregados, na passagem do lingüístico para o extra-lingüístico. Relativamente ao primeiro item, concluímos que a teoria que melhor nos serve terá como referidos extra-lingüísticos (1) idealizações, entre os entes de razão e (2) entidades observacionais e inferidas, entre os entes reais, situando-se, portanto, a meio caminho entre teorias científicas de cunho positivista e teorias de natureza metafísica. Para aclarar os instrumentos que patrocinam uma passagem tão consensual quanto possível do lingüístico para o extra-lingüístico, analisamos os conceitos de definiendum, definiens, denotação, conotação, proposição analítica, proposição sintética, referência, referente, referido, transmissão operacional de significado e transmissão ostensiva de significado. Todavia, para fundamentar uma tecnologia, um corpo teórico não deve apenas disciplinar seus processos de referência. Como afirmamos em nosso primeiro módulo:

“Como toda a tecnologia depende de uma teoria, precisamos de uma teoria que nos afirme, no mínimo, algo como – “processos de comunicação de tipo X promovem saúde mental no ser humano” e “processos de comunicação de tipo Y promovem doença mental no ser humano” – para desenvolvermos e aperfeiçoarmos procedimentos que aumentem a presença dos processos de comunicação de tipo X e diminuam a dos de tipo Y.”

Ou seja, precisamos contar com proposições que, estabelecendo relações entre termos da teoria, nos permitam prever, de forma a orientarmos a construção e desenvolvimento de nossa tecnologia de acordo com essas previsões. Se a manipulação tecnológica supõe capacidade de prever, prever, por sua vez, implica explicar, explicar exige a existência de leis e tal existência, por definição, supõe determinismo. Portanto, para servir a nossos propósitos de eficiência tecnológica, a teoria Loganalítica tem que ser determinista. Ora, como, via de regra, o termo determinismo, aplicado às ciências que lidam com o humano, costuma, por ser erroneamente entendido como incompatível com a liberdade de arbítrio, provocar significativo pânico e conseqüente regressão mental nos expostos a tal aplicação, vale nos determos algo longamente na análise das relações entre inferência, explicação, lei, determinismo e liberdade de arbítrio, posto que as existentes entre manipulação tecnologia e inferência já foram abordadas.

Inferência, explicação e lei

Vejamos como abordei essas relações em minha tese sobre o conceito de saúde mental. Começo citando trecho do verbete Explicação de The Encyclopaedia of Philosophy, compilada por Edwards:

“ ... “the logical form of an explanation can be exhibited as follows:

The explanans =
C¹, ... , Cⁿ
L¹, ... , Lⁿ
The explanandum =

E

The explanans consists of two sets of premisses: (1) a set of singular statements, C¹, ... , Cⁿ, describing relevant initial conditions, and (2) a set of general laws, L¹, ... , Lⁿ. The explanandum statement (briefly, the explanandum), E, which describes the phenomenon to be explained, is logically deduced from the explanans. The derivation of E from the C’s and L’s may involve principles of higher mathematics as well as the usual rules of logic.”[2]

O trecho citado refere-se à explicação de fenômenos, mas cabe também considerarmos a explicação de leis:

“A simple example of explanation of a law is the following: Any solid whose density is less than that of the fluid in which it is placed floats in the fluid. The density of ice is less than that of water. The law that ice floats in water is explained from two other laws. The three laws[3] in the explanation share the characteristic that the concepts contained in them refer to broadly observable features of the world; that is the terms occurring in them are exclusively “observational terms”[4]. As a result, the laws are amenable to inductive confirmation by observation of their instances. Laws of this sort are called “inductive generalisations” or “experimental laws”[5]. A theoretically more fruitful kind of explanation is obtained when experimental laws are explained by theoretical laws and principles ... Further, theoretical laws and principles are not isolated statements but often form organised systems of interconnected laws with comprehensive explanatory and predictive power. Science in its advanced theoretical stage has as its primary objective a comprehensive integration and systematisation of diverse experimental laws within a simple and powerful system of theoretical laws.”[6][7]

AXIOMA: Proposição indemonstrável, mas considerada evidente, utilizada entre as premissas de uma demonstração.

EXPLANANDUM: Evento a ser deduzido a partir de um determinado explanans*.

EXPLANANS: Conjunto de condições iniciais e de leis* a partir de que se pode deduzir ocorrência de um determinado evento, o explanandum*.

EXPLICAÇÃO: Processo de dedução de um explanandum* a partir de um determinado explanans*.

HIPÓTESE: Proposição que não pode se confirmada ou desconfirmada diretamente, mas, apenas, a partir de suas conseqüências.

LEI:
Proposição que descreve uma relação constante, devidamente comprovada, entre dois ou mais entes quaisquer.

LEI EMPÍRICA: Lei cujos elementos lingüísticos* referem-se todos a entidades observacionais*.

LEI EXPERIMENTAL: O mesmo que lei empírica*.

LEI TEÓRICA: Lei em que pelo menos um dos elementos lingüísticos* se refere a entidades inferidas*.

POSTULADO: Proposição demonstrável que é utilizada, sem demonstração, entre as premissas de outra demonstração.

TEORIA: Conjunto integrado de axiomas*, postulados* e leis*.

As considerações de Edwards nos permitem construir um esquema que representa os níveis em que opera uma explicação nas ciências factuais[8]:
1) leis teóricas;
2) leis empíricas;
3) descrição de fenômenos intersubjetivamente observáveis.


O nível (3) é explicado pelo nível (2), que, por sua vez, é explicado pelo nível (1). Definida explicação e observada sua relação com a lei ... verificamos que

“explanation and prediction share identical logical structures”[9]

Com efeito, o fato de que uma explicação possa ser usada

“to predict the explanandum event if its premisses had been known before the occurrence of the event is a simple consequence of the fact that the explanation is an argument in logical form. If the premisses are known, there is sufficient warrant, either deductive or inductive, for the assertion of the explanandum as a prediction. In fact, the symmetry in this sense goes deeper; a more sweeping symmetry can be asserted between explanation and projective arguments in general, whether predictive or retrodictive. If E is as explanatory argument explaining an event e, then E can be used to predict e before the occurrence of e, to retrodict e after it, and to infer the occurence of e simultaneously with it.”[10][11]

ARGUMENTO PROJETIVO: Qualquer concatenação de proposições que permite inferir a ocorrência de um evento antes, após ou concomitantemente a tal ocorrência.

ARGUMENTO PROJETIVO-PREDITIVO:
Qualquer concatenação de proposições que permite inferência antes da ocorrência do evento.

ARGUMENTO PROJETIVO-RETRODITIVO: Qualquer concatenação de proposições que permite inferência após a ocorrência do evento.

ARGUMENTO PROJETIVO-SIMULTÂNEO: Qualquer concatenação de proposições que permite inferência simultaneamente à ocorrência do evento.

Vimos, anteriormente, que uma teoria que possa servir a nossos propósitos de construir e desenvolver uma tecnologia haveria de ser capaz de prever. Acabamos de verificar que, se uma teoria prevê, ela, automaticamente, explica. Podemos acrescentar, portanto, às características da teoria loganalítica, que ela terá natureza explicativa. Essa conclusão é tão banal que eu passaria de imediato a discussão de um outro tópico, não fosse a existência de um influente grupo de profissionais que insiste não poderem ou deverem as ciências que tratam do humano apresentar essa natureza. Afirmam que, quando se trata do ser humano, não podemos explicar, devendo contentar-nos com compreender. Esse grupo é barulhento o suficiente para que valha a pena tomarmos algo de nosso tempo pondo às claras a fragilidade de sua argumentação.

A “compreensão” (“Verstehen”)

De volta à tese:

“Uma das características mais notáveis da história do conceito de Verstehen é que, apesar de sua farta tradição[12], nenhum de seus defensores

“has taken the trouble to describe the nature of this method”[13]

Com efeito:

“They have given it various names; they have insisted in its use; they have pointed it as a special kind of operation which has no counterpart in the physical sciences; and they have extolled its superiority as a process giving insight unobtainable by any other methods. Yet the advocates of Verstehen have continually neglected to specify how this operation of “understanding” is performed – and what is singular about it.”[14]

De qualquer forma, o Verstehen tem sido defendido como o método[15] próprio, segundo a famosa classificação de Dilthey, às Geisteswissenschaften, ciências cujo objeto particular é o ser humano, sendo tal Verstehen distinto do método explicativo – hipotético-dedutivo – supostamente próprio às Naturwissenschaften, ciências cujo objeto é o não-humano.”[16]

Já que, como logo veremos, o Verstehen não passa de uma técnica de obtenção de dados – de status análogo, por exemplo, ao do microscópio em Biologia – a proposta de que, nas ciências humanas, ele ocupe o lugar de método, substituindo o hipotético-dedutivo, tem por resultado estabelecer, no âmbito daquelas ciências, uma absoluta falta de critérios intersubjetivos para a rejeição ou aceitação de hipóteses ou teorias. E, como bem acentua Rudner, para uma ciência, a ignorância substantiva – ou seja, em relação a seu próprio objeto – é algo tolerável, mas a ignorância metodológica é mortal[17]. Não saber é suportável, mas não saber quando se sabe ou não se sabe é mortífero. Com efeito, “não existem ventos favoráveis para que não sabe aonde vai”. Vejamos que lugar merece ser legitimamente ocupado pelo Verstehen. O que se segue é uma exposição ligeiramente modificada de formulações defendidas em minha tese:

“Consideramos um postulado ser o homem um sistema teleológico, se, com Ducasse, entendemos necessário e suficiente para que haja teleologia:

“that the following elements be present, or supposed, by the speaker, to be present:
1. Belief by the performer of an act in a law ... /do tipo/ ... ‘If X occur, Y occurs’;
2. Desire by the performer that Y will occur;
3. Causation[18] by that desire and that belief jointly, of the performance of X.”[19]

Ora, se considerarmos que o “Y” da citação acima é basicamente a obtenção de um estímulo ou a evitação de um estímulo, reconhecido o ser humano como um sistema teleológico, toda a “compreensão” do comportamento humano poderia ser reduzida às seguintes variações, que chamaremos de explicações compreensivas*

Primeiro tipo

Explanans:

L = O ser humano efetua, sempre que as condições internas e externas a ele o permitem, as respostas que acredita instrumentais para a obtenção dos estímulos que considera desejáveis.
C’s =
C1 = X é um ser humano;
C2 = X acredita que R1 é uma resposta instrumental para a obtenção do estímulo S1;
C3 = X considera S1 desejável;
C4 = as condições internas de X permitem a execução de R1;
C5 = as condições externas de X permitem a execução de R1.

Portanto,

Explanandum: X executa R1.

Passemos ao segundo tipo de explicação compreensiva:

Segundo tipo

Explanans:

L = O ser humano efetua, sempre que as condições internas e externas a ele o permitem, as respostas que acredita instrumentais para a evitação dos estímulos que considera indesejáveis.
C’s =
C1 = X é um ser humano;
C2 = X acredita que R1 é uma resposta instrumental para a evitação do estímulo S1;
C3 = X considera S1 indesejável;
C4 = as condições internas de X permitem a execução de R1;
C5 = as condições externas de X permitem a execução de R1.

Portanto,

Explanandum: X executa R1.”[20]

E, adiante, concluo:

“Frente às colocações acima, podemos expressar nossa palavra final em relação ao Verstehen. Sustentamos que a falta de clareza conceitual existente em torno desse termo serviu para obscurecer[21] o fato de que ele se refere simplesmente a:

1. Explicação compreensiva, como aqui definida, e cujos dois tipos podem ser assim sumarizados:
1.1. Primeiro tipo: Se X acredita que R1 é instrumental para obter S1, que considera desejável, é “compreensível”, caso as condições internas e externas não o impeçam de fazê-lo, que X execute (tenha executado, vá executar, etc.) R1;
1.2. Segundo tipo: Se X acredita que R1 é instrumental para evitar S1, que considera indesejável, é “compreensível”, caso as condições internas e externas não o impeçam de fazê-lo, que X execute (tenha executado, vá executar, etc.) R1.

Nesse sentido, o Verstehen só adquire legitimidade metodológica, porque, na verdade, não passa de uma variedade de um proceder explicativo. O termo, além disso, também se refere a:

2) Aplicação subliminar – e, conseqüentemente, não controlada – de regras de correspondência que permitem, a partir da constatação da presença de determinados entidades observacionais, concluir pela presença de entidades inferidas relativas a crenças e desejos[22].

O Verstehen, portanto, não pode pretender qualquer inovação técnica ou metodológica, já que nada acrescenta – visto que o emprego de regras de correspondência é um recurso corriqueiro dos procedimentos explicativos – e muito subtrai – pois aplica sorrateiramente algo que, para ter sua aplicação validada, devia ser feita de modo explícito.”[23]


EXPLICAÇÃO COMPREENSIVA: Qualquer explicação* que inclua entre seus C’s entidades inferidas correspondentes a crenças e desejos, supostos presentes pela aplicação de regras de correspondência baseadas no pressuposto da empatia[24].

Penso que a argumentação acima é suficiente para expor a irracionalidade da pretensão de que as ciências que tem por objeto o ser humano devam empregar algum tipo de recurso metodologico essencialmente diferente do empregado, por exemplo, pela Física ou pela Química. Cumpre que paremos de confundir método com técnica. Aliás, já é tempo de que o pensamento científico se desembarace do resíduo religioso que pretende separar o homem da natureza[25]: as ciências humanas são um subconjunto das ciências naturais, devendo enfrentar-se com o fato de, tipicamente, empregarem como intrumento metodológico a explicação compreensiva, nada mais do que um subconjunto da explicação. A Loganálise, portanto, constrói-se como uma ciência natural humana, que emprega a explicação compreensiva no seu arsenal metodológico. Voltemos, após esse desvio, à linha principal de nossa exposição.

A questão do determinismo

Construir uma tecnologia, como vimos, pressupõe a existência de uma teoria que nos permita inferir preditiva, retroditiva e simultaneamente. Inferência implica existência de explicação, explicação, a de leis e a de leis, a de determinismo, se, como é usual, entendemos este último, como

“predictability by means of a law”[26]

Qualquer tecnologia, portanto, depende de uma teoria determinista. Ocorre, contudo, que falar em determinismo, na área das ciências humanas, tende a provocar regressão no aparelho psíquico de quem escuta e isso, naturalmente, provoca “ruídos” no processo de comunicação. Tentemos evitar esses “ruídos”, esclarecendo quatro blocos de questões: o primeiro diz respeito à extensão e ao fundamento do determinismo; o segundo, às relações entre determinismo e causalidade; o terceiro, às entre determinismo e teleologia; o quarto, à compatibilidade ou não entre determinismo e liberdade de arbítrio.

Determinismo: extensão e fundamento

Afirmações sobre se o funcionamento do universo, como um todo, é ou não determinado, ou seja, passível de ser explicado por leis, não é de interesse para o cientista.

“Science, in any given case, will assume what the case requires, but no more.”[27]

Se, entretanto, para um determinado segmento do real, ele procura descobrir uma lei, é, por definição, porque abriga a esperança de que ele seja determinado. Se procura uma lei universal, que não sofre exceções, falamos em determinismo absoluto, se procura uma lei estatistica, falamos em determinismo relativo. No que diz respeito ao que nos interessa, a inferência, as leis estatísticas são menos eficazes do que as universais. Com efeito, se temos algo como –

L1: Em 70% dos pares homem-mulher, o homem tem maior estatura.
C1: João é um homem
C2: Maria é uma mulher

– não podemos dedutivamente inferir “Então, João é mais alto do que Maria”, pois leis estatísticas permitem previsões apenas sobre conjuntos, nunca sobre casos individuais. Já no seguinte caso –

L1’: Se há sintoma conversivo, há sempre recalque.
C1’: João apresenta sintoma(s) conversivo(s).

– posso, então, dedutivamente inferir
E’: “João apresenta recalque”
Pois leis universais permitem previsões tanto sobre conjuntos quanto sobre casos individuais. Interessa-nos, portanto – como interessou a Freud – encontrar leis universais, do tipo L1’, embora possamos e devamos fazer uso de leis estatísticas, enquanto as primeiras não forem encontradas. De qualquer forma, ao buscarmos ou acolhermos leis universais ou estatísticas, estaremos, por definição, abrigando a suposição de que a área sob investigação é determinada. Existe algum fundamento para esse tipo de suposição? Existe, por outro lado, algum fundamento para suposição contrária? Vejamos.

Quanto a hipótese determinista:

1. A fundamentação lógica[28]:
1.1. Indutiva. Sempre que estou supondo ser possível predição através de uma lei, estou supondo que o conjunto do real a que a lei se refere continuará a comportar-se com até agora o fez, o que é uma indução. Fundamentar o determinismo, portanto, equivale a fundamentar a indução. A possibilidade de fundamentação indutiva do determinismo fica, portanto, afastada, por petitio principii.
1.2. Dedutiva. A hipótese determinista é uma proposição universal sintética. Não é analítica, pois faz previsões sobre o real, supondo-o apresentar a estabilidade que justificaria a possibilidade de tais previsões; supõe que a relação encontrada – ainda que essa relação seja uma relação estatística – voltará sempre a ser encontrada. Fundamentar o determinismo é, portanto, fundamentar uma proposição universal sintética. E podemos fundamentar uma proposição universal sintética? Sim, basta que uma das premissas da dedução que a fundamenta seja uma generalização baseada em uma indução[29]. Ora, como, ao colocarmos em questão a validade do determinismo, o que está sendo posto em dúvida é a validade da própria indução, a fundamentação lógica dedutiva do determinismo fica, como a indutiva, também excluída, e pela mesma razão, seja, sofrer de circularidade.
2. Psicológica. A única coisa que justifica pressupor a possibilidade de que algum segmento do real seja determinado - pressuposto da estabilidade do universo - é a ESPERANÇA de que seja assim. Soa estranho, mas, como afirma Feigl, o método científico, tomado como um todo “is, from the view-point of logical reconstruction, a basic convention, capable only of pragmatic but not of cognitive reconstruction”[30], o que vale dizer: “minha constituição psicológica faz que eu PREFIRE repetir comportamentos que deram certo; como tem dado certo acreditar, coeteris paribus, na existência de invariantes, continuo operando como se eles existissem, ... e procurando descobrir outros mais (p.e., no passado, deu certo tentar sair de meu quarto através da porta, e não deu certo tentar fazê-lo através da parede, assim, minha constituição psicológica faz que eu PREFIRA continuar tentando sair dele através da porta e, não, da parede, o que implica logicamente, tenha eu ou não consciência disso, estar eu operando segundo a premissa de que, coeteris paribus, o universo é estável) ”!
Enfim, se quisermos nos manter dentro dos limites do racional, devemos reconhecer que a atividade cientifica se baseia em um pressuposto de estabilidade do universo que não pode encontrar fundamento – NEM CONTRADIÇÃO! – dentro dos limites do racional. O grau de sucesso que tem sido revelado pela ciência não deve, portanto, ser confundido com seu grau de certeza[31].

Quanto a hipótese indeterminista, argumento análogo pode ser desenvolvido para demonstrar que o pressuposto de que um determinado segmento do real não apresenta invariantes – pressuposto, incompatível com a atividade científica, da instabilidade do real – é tão gratuito quanto o oposto – o pressuposto, compatível com a atividade científica, da estabildade do real – de que aquele segmento apresenta tais invariantes. Quem acreditar na impossibilidade de encontrar invariantes (uma “razão preguiçosa”, segundo Kant) esqueça a atividade investigativa, quem acreditar nessa possibilidade (uma “razão operosa”, por simetria) dedique-se a ela[32]. De gustibus et coloribus non est disputandum![33]

Determinismo e causalidade

Definamos uma relação causal da seguinte forma:

“A” causa “B” (ou é causa de “B”), seu efeito, se e somente se:

1. “A” antecede “B”no tempo;
2. Sempre que ocorre “A”, ocorre “B”;
3. Não se conhece nenhum evento “A1” tal que:
3.1. “A” antecede “A1”;
3.2. “A1” antecede “B”; e
3.3. Sempre que ocorre “A1” ocorre “B”.

Assumida essa definição, fica evidente que sempre que se disser que A causa B, está implícito que A determina B, embora, nem sempre que se disser que A determina B, esteja implícito que A causa B, podendo ser seu efeito. Sempre que possível, a Loganálise chegará a proposições deterministas causais, mas sempre que não for possível estabelecer causalidade, como descrita acima, estará satisfeita em estabelecer legalidade: encontrar leis, teóricas ou empíricas, universais ou estatísticas, que estabelecem relações invariantes entre entes reais. Lembremos, como já deve estar claro para meus leitores, que, dadas as definições com que estamos operando, nada há – como também opinam, p. e., Ducasse[34], Mace[35], Rudner[36] e Schlick[37] – de logicamente contraditório em teorizarmos sobre processos teleológicos empregando um modelo determinista causal.

A navalha de Occam

Certa feita, uma aluna me disse que achava Jung superior a Freud, por ser a obra daquele muito “mais rica”. Sugeri que ela passasse a ler Shakespeare, porque certamente iria achá-lo “mais rico” do que os dois. Com efeito, minha aluna estava aplicando a produções teóricas um critério que, certamente, mais cabe a produções literárias. É óbvio que nunca tinha ouvido falar da Navalha de Occam, assim descrita e comentada por Abbagnano:

“por lo menos por lo que se refiere a las totalidade finitas, el orden mejor es el que realiza el máximo resultado con el mínimo esfuerzo y, de tal manera, en la historia de la filosofía, la regra del mínimo esfuerzo há sido entendida como “principio de la economia”. ... Se puede decir que el principio de la economia es formulado por vez primera por Occam en el siglo XIV con las formulas “Pluralitas non est ponenda sine necessitate” y “Frustra fit per plura quod potest fieri per pauciora”. De ello se sirvió constantemente Occam para eliminar muchas de las entidades admitidas por la escolática tradicional; así, por ejemplo, la especie – sensible o inteligible – como intermediario del conocimiento (Quaestiones in IV libros sententiarum. Lugduni, 1495: II, q. 14, P). Más tarde fue expresado este principio, con el nombre de navaja de Occam, mediante esta formula: “Entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem”, fórmula que se encuentra a partir de la Logica vetus et nova (1654) de Clauberg.”[38]

E, adiante, completa:

“Esta exigencia es actualmente reconocida como válida en la construcción de las hipóteses o teorías científicas.”[39]

Se clareza de discurso depende de clareza de pensamento, clareza de pensamento decorre, sem dúvida, de saber-se o que se quer. Se minha aluna soubesse com maior clareza o que queria, estaria servindo-se das estantes do departamento de Literatura... No âmbito da ciência, pede-se riqueza do explanadum – do que se quer explicar – não do explanans – do que se usa para explicá-lo – esperando-se, portanto, que o maior número possível de fenômenos, sejam explicados – e, conseqüentemente, previstos – pelo menor número possível de conceitos, leis, postulados e axiomas. Do ponto-de-vista meramente formal, portanto, a Psicanálise – enquanto produção científica, não literária! – é superior a qualquer outra teoria psicológica, visto não haver outra que explique tão vasto explanandum – que se estende das parapraxes às produções culturais, dos sintomas neuróticos às obras de arte, dos sonhos às perversões, etc. – mediante tão reduzido explanans. Do ponto-de-vista material, devemos, além de considerar a extensão de seu explanandum e a simplicidade (ou economia) de seu explanans, levar em conta a medida em que suas explicações são de fato validadas pela aplicação do método cientítico, cujo modus operandi foi, nessa primeira cadeira do curso de formação em Loganálise, nosso principal objeto de consideração.

Síntese metateórica

As considerações realizadas durante este nosso primeiro encontro nos leva à seguinte caracterização metateórica da abordagem loganalítica:

A PSICANÁLISE LOGANALÍTICA assume-se como uma:
a) CIÊNCIA NATURAL – excluindo, portanto, númemos de entre os seus conceitos –
b) HUMANA – portanto, supondo existência de teleologia –
c) DETERMINISTA CAUSAL – portanto,
d) EXPLICATIVO-PREDITIVA
e) NÃO POSITIVISTA – incluindo, portanto, entidades inferidas entre seus conceitos.

Uma última palavra: o problema da liberdade

Em nossa próxima cadeira, iremos defender que doença mental implica existência de arbítrio decisório-executivo, subconjunto do conceito geral de liberdade. Iremos defender, com Hartmann, que:

“La libertad en sentido positivo no es un minus, sino un plus en la determinación. El nexo causal no permite un minus, porque su ley afirma que, una vez en curso una série de efectos, no puede ser de ningún modo detenida. Pero admite en cambio un plus ... porque su ley no afirma que a los elementos de determinación causal de un proceso no se puedan agregárseles otros elementos de determinación.”[40]

Para alguns soará absurda a idéia de construir uma ciência determinista para, por meio dela, implementar a liberdade humana. Pois é exatamente isso que iremos defender durante todo esse curso: só uma ciência humana determinista é capaz de inferir com precisão quais são as condições existenciais que introduzem o nível extra de determinação capaz de produzir um ser humano livre e quais as que o transformam em um mero joguete de fatores estranhos a sua vontade. Até lá.

[1] A expressão “ciências exatas” não nos parece satisfatória, mas, no momento, não possuímos nenhuma outra que possa mais adequadamente substituí-la.
[2] Edwards, P. (Ed.) The Encyclopaedia of Philosophy. New York: MacMillan, 1967, vol. 3 , p. 159.
[3] Acho um pouco difícil aceitar que a proposição “The density of ice is less than that of water” seja uma lei: tenderia, antes, considerá-la um C¹, ou seja, um ‘statement describing relevant initial conditions”. Mas, enfim, não me parece que isso nos impeça de captar a natureza geral do argumento do autor.
[4] Seja, em nossa linguagem, simbolos que apontam para as nossas “entidades observacionais”.
[5] Prefiro "leis empíricas" a "leis experimentais".
[6] Edwards, P. (Ed.) op. cit., vol. 3 , p. 160.
[7] Ebraico, L. C. de M. Op. cit., p. 20-21.
[8] Cf., também, Feigl, H. “Some Remarks in the Meaning of Scientific Explanation”, in: Feigl, H & Sellars, W. (eds.), op. cit, passim.
[9] Edwards, P. (Ed.) op. cit., vol. 3 , p. 161.
[10] Edwards, P. (Ed.) op. cit., vol. 3 , p. 161.
[11] Ebraico, L. C. de M. Op. cit., p. 22-23.
[12] Bühler, K. Die Krise der Psychologie. Jena: Fischer, 1929; Cooley, H. E. Sociological Theory and Social Research. New York: Scribner’s, 1930; Dilthey, W. Ideen über ene Beschreibende und zergliedernde Pschologie. Leipzig: Teubner, 1894; Erisman, T. Die Eigenart des Geistigen. Leipzig: Quelle, 1924; Häberlin, P. Der Geist und die Triebe. Berlin: Springer, 1924; Jaspers, K. Allgemeine Psychopatologie. Berlin: Springer, 1920; MacIver, R. M. Social Causation. Boston: 192; Rickert, H. Die Grenzen der Naturwissenschaftlichen Begriffsbildung. Tubingen: Mohr, 1913; Rothacker, E. Logik und Sistematik der Geisteswissenschaften. Bonn: Bouvier, 1947; Simmel, C. Geschichtsphilosophie. Berlin: Duncan, 1920; Sorokin, P. Social and Cultural Dynamics. New York: American Book, 1937; Spranger, E. Lebensformen. Halle: Niemeyer, 1924; Weber, M. Gesammelte Aufzätze zur Wissenschaftlehre. Tubigen: Mohr, 1920; Znaniecki, F. The Method of Sociology. New York: Farrart and Rinehart, 1934.
[13] Abel, T. “The Operation called ‘Verstehen’ “, in: Feigl, H. & Brodbeck, M.. Op. cit., p. 678.
[14] Id, ibid., 678-9.
[15] No sentido de “lógica de justificação”. Recordemos Rudner: “O método de uma ciência é, com efeito, o fundamento lógico em que baseia sua aceitação ou rejeição de hipóteses ou teorias.” (Op. cit., p. 19)
[16] Ebraico, L. C. de M. Op. cit., p. 23-24.
[17] “A ignorância substantiva nunca é um defeito de uma ciência. O que constitui um pecado científico particularmente mortal ... é a ignorância metodológica, que pode desorientar, invalidar ou anular investigações importantes, quer para o portador dessa ignorância, quer para os que por ele são influenciados.” (Rudner, R. S.. Op. cit., p. 159)
[18] Que essa cláusula de Ducasse é suficiente para evidenciar que a afirmação de que teleologia e determinismo não são incompatíveis é tautológica.
[19] Ducasse, C. J. “Explanation, Mechanism and Teleology”, in: Feigl, H & Sellars, W. (Eds.), op. cit., p. 543
[20] Ebraico, L. C. de M. Op. cit., p. 24-27.
[21] E, em o fazendo, permitir que dele se fizesse um uso – o de justificar a independência metodológica das ciências humanas, tidas por “compreensivas” em relação às não humanas, tidas por “explicativas” – que, eliminada essa obscuridade, seria impraticável.
[22] As " regras de correspondências" básica do Verstehen é as que giram em torno do pressuposto da empatia: eu sou suficientemente semelhante ao outro para "pondo-me no lugar dele", ver o que eu sinto e desejo e, a partir daí, inferir o que ele pensa e deseja. Não me parece restar dúvida da necessidade de uma boa dose de glasnost relativamente à aplicação desse pressuposto.
[23] Ebraico, L. C. de M. Op. cit., p. 27-29.
[24] Para o uso do Verstehen, portanto, não se aplica a afirmação de Ducasse: “It makes no essential difference to the definition of a purposive act ... whether the words belief and desire which occur in it, be interpreted in terms of consciousness or purely in terms of neurons and nerve currents.” (Ducasse, op. cit., p. 544)
[25] E de posturas como a de Lacan, que entendem a Psicanálise como estando “a meio caminho entre a ciência e a religião” (José Roberto Bastos, com. pessoal). Aliás, só um irracionalista como Lacan poderia travestir-se no papel ridículo de se pretender um defensor de Freud, cujo espírito sempre foi visceralmente avesso a tais promiscuidades epistemológicas. Necandus necavit necaturum. Esse dito latino bem descreve as conseqüências da epidemia lacaniana que atualmente infecta a Psicanálise: a obra freudiana, produzida na intenção de servir como bastião avançado na luta contra a irracionalidade, tornou-se o palco onde impera essa última. As reuniões das sociedades lacanianas são verdadeiros banquetes totêmicos em que os filhos assassinam o pai, ao mesmo tempo que, assustados, dizem estar prestando homenagem a ele.
[26] University of California Associates. “The Freedom of the Will”. Feigl, H & Sellars, W. (Eds.), op. cit., p. 600.
[27] Russell, B. “On the Notion of Cause, with applications to the Free Will Problem”, in: Feigl, H. & Brodbeck, M.. Op. cit., 397.
[28] Ver também: Feigl, H.. “The Logical Character of the Principle of Induction”, in: Feigl, H & Sellars, W. (Eds.), op. cit. e Reichenbach, H.. “On the Justification of Induction”, in: Feigl, H & Sellars, W. (Eds.), op. cit..
[29] Na verdade, roçamos aqui o fato de que, como acentua Rudner, é fictícia a diferenciação normalmente feita entre “indução" e "dedução". Cf. Rudner, R., op.cit., p. ...., nota.
[30] Feigl, H. “The Mind-Body Problems in the Development of Logical Empiricism”, in: Feigl, H. & Brodbeck, M.. Op. cit., p. 619
[31] Considero, aliás, totalmente descabeladas empresas como a que, por exemplo, Lyotard atribui à Fenomenologia: “La phénoménologie ... est une méditation logique visant à déborder les incertitudes mêmes de la science vers et par un logos excluant l’incertitude.” (Lyotard, F. La Phénoménologie. Paris: PUF, 1968, p. 23.
[32] A primeira dessas posturas foi muitas vezes chamada, em Filosofia, de ignava ratio (= razão ociosa), que, segundo Abbagnano, Kant define desta forma “ ... “todo principio que lleve a considerar como absolutamente cumplida la propria búsqueda de manera que la razón se tranquilice, como si hubiese terminado su tarea.” (Crítica de la Razón Pura, Dialéctica, Apéndice a la Dialéctica Trascentendal: De la mira final, etc.).” (Abbagnano, N., op. cit., p. 986).
[33] “Gosto e cor não se discutem”.
[34] Ducasse, C. J., op. cit..
[35] Mace, C. A. “Mechanical and Teleological Causation”, in: Feigl, H & Sellars, W. (Eds.), op. cit..
[36] Rudner, R. S.. Op. cit..
[37] Schlick, M. “Philosophy of Organic Life”, in: Feigl, H. & Brodbeck, M.. Op. cit..
[38] Abbagnano, N. Op. cit., p. 359-360.
[39] Ibid., p. 360.
[40] In: Abbagnano, N. Op. cit., p. 744.